quarta-feira, 4 de novembro de 2015

O mar é ali



Para mim, às vezes, o mundo acaba em Minas Gerais. Acaba neste pedaço de sertão onde a gente, que tanto sonha com o mar, persiste velhando, como dizia Guimarães Rosa, levando a vida tão vagarosa e calma quanto nosso próprio sotaque. Para mim, às vezes, o mundo termina na modéstia de nossas ladeiras e ruas estreitas, por onde seguimos sempre em linha reta, olhando para os lados sem, no entanto, ver parte alguma. Para mim, às vezes, o mundo termina dentro de mim e de minhas saudades.
Saudade que chega a doer de lugares que nunca visitei, saudade que chega chorar de lugares pelos quais me apaixonei, como se parte de minhas outras vidas estivessem sempre entre uma distância e outra: aqui, mas sempre lá, lá mas sempre aqui. Sinto falta de ter o mar perto, sinto falta da Lua (ou da Espanha?), sinto falta do meu Mutum, e sinto falta de gente que já amei e gente que nunca vi. A sina de um coração que nasceu para ser dividido e amar as distâncias –amar às distancias -, é se perguntar quando é que se sentirá completo se não pode se dividir, também, em corpos.
Lembro-me do pigmeu do conto de Chesterton que se maravilhou diante de um pequeno jardim, enquanto o gigante, Paulo, deu uma volta na Terra em apenas alguns minutos e por fim adormeceu, entediado. Minha pequenez faz do mundo uma imensidão a ser desbravada, seja outro continente, seja logo ali em minha esquina, ‘Basta abrir os olhos, bicho do mato’, ouço alguém sussurrar, basta caminhar em linha reta, mas ver além de olhar.
O mundo termina dentro de mim, onde guardo as lembranças mais vivas e os amores mais intensos, mas reescrevo e digo o contrário, pois o mundo também começa aqui onde, feito Fernando Pessoa, ainda cultivo todos os sonhos.
É mais ou menos assim mesmo. Cada um tem seu mar dentro de si.


sexta-feira, 25 de setembro de 2015

PARIS, FINALMENTE!

Então, onde foi que eu parei?
É isso mesmo gente, minha rotina é tão agitada –NOT- que estamos em Setembro e somente agora é que eu vou escrever sobre minhas extraordinárias férias de Abril. Quer dizer, foi tanta coisa linda de ver e tanta aventura que o post tá mais pra álbum comentado. Então Chuvosa Turismo que acompanha o Garota da Contracapa, aperta o cinto de segurança, prepara para a decolagem, dá o play em La Vie En Rose e bora dar umas voltas pelas ruas de Paris!


“Eu ando pelo mundo prestando atenção em cores que eu não sei o nome...”

Quando desci do trem, na maravilhosa estação de Gare Du Nord, me senti a própria mocinha de novela das 6 que por razões desconhecidas deixa um passado misterioso para trás e vai em busca de seus sonhos numa cidade grande. Lembrei-me também de quando tinha dezesseis anos e depois de bater muitas portas, chorar ouvindo Good Charlotte, terminava dizendo que iria fugir para Paris e trabalhar como bibliotecária. Ah, que sonhadora eu aos dezesseis né. Porque pelormor: que estudante adolescente tem dinheiro pra fugir pra PARIS?
Quando saí da estação me deparei com a Rue Dunkerque abarrotada de viajantes, cafés, luzes, carros, ar parisiense... Tem sensação mais maravilhosa do que quando a realidade supera todas as suas expectativas? 

                         Quase tive LER no ombro de tanto tirar selfie.

Então vamos falar de coisa boa e fazer aquele JABÁ inesperado de programa de culinária? O hostel Saint Christopher, gente, vamos mudar pra lá. É ótimo! (Pessoal do hostel, vem cá ver esse merchan!).
Primeiro que é a três quarteirões da estação Gare Du Nord e de lá você pode pegar um metrô para qualquer parte de Paris ou seguir à pé para a famosa Montmartre. No meu caso foi ótimo porque cheguei sozinha na cidade por volta das 19h e fiz uma caminhadinha saudável, de boas, com a mala faltando uma rodinha sem nem fraturar o braço. Recepção também aprovada, os jovens e educados atendentes eram muito solícitos e falavam no mínimo dois idiomas. Não me esqueço de um deles que fez a gentileza de tirar a minha mala pesando trinta quilos de cima de um armário e eu disse “Cuidado, ta meio pesada”, então o rapaz, absurdamente bonito e musculoso me olhou de lado, sorriu e disse: “Dont worry, Im from Scotland”.


                                                    Sin palabras

As acomodações também me surpreenderam de uma maneira positiva. Eu nunca tinha ficado em hostel, nunca havia dividido quarto e imaginei meio que uma cela de presídio e gírias tipo ‘whatsup nigga’. Talvez eu tenha tido sorte, mas as outras três garotas do quarto (que tinha banheiro privativo e recomendo que façam essa escolha também!) eram reservadas e educadas, de modo que a gente só interagia mesmo quando tava a fim. Proxima viagem sem sombra de dúvidas vou escolher um hostel de novo porque é mais barato, tão confortável quanto hotel e o melhor: a gente se mistura com gente jovem..!

Nessa mesma noite em que cheguei, tomei um banho e me troquei na velocidade da luz para poder dar uma passeada em Paris logo e tirar foto logo, postar no Insta logo, matar minhas amigas logo. Para cada café, há um sex shop, e para cada farmácia, há um supermercado, então já defini para vocês como é o comércio ao redor da estação. O relógio marcava nove da noite, mas acredite se quiser, havia acabado de escurecer então fiquei de boas caminhando ali, me achando A escritora perdida em Paris, até procurar um lugar para comer. Depois voltei para o pub do hostel, o Belushis, que é ABOSULTAMENTE INCRÍVEL e, diante da falta de palavras para descrever como eram as noites nesse lugar, tem esse vídeo aqui ó e esse aqui, com as migs:



Como o mundo é uma cidade do tamanho de Teófilo Otoni, é claro que logo fiquei amiga de uma turma de brasileiros e de argentinos com camisa de time e também é claro que fomos os últimos a deixar o pub, porque pra quê limite pro pessoal da America Latina né.

                                                 Um abç pra galera de Tchó Tchó

Sobre Montmartre, como vou explicar sem parecer exageradamente romântica e piegas? Já sei: fecha os olhos, respira bem fundo e se imagine passeando por Paris em uma manhã ensolarada. Aposto que nesse devaneio você pode ouvir um acordeão sendo dedilhado ao fundo, algumas motonetas passam zunindo pelas vielas, viu algumas moças faceiras dizendo animados “Bonjour”, baguetes em cestos nas esquinas e flores nas calçadas. Ah, talvez você tenha visto um ou dois carrosséis e construções antigas, mas bem conservadas, de sobrados sobre os cafés. É exatamente isso e a realidade, como eu já disse, apenas superou esse sonho.



Senta Que Lá Vem História: Montmartre é a parte mais viva de Paris, não à toa, era o recôndito de incríveis artistas no século XIX e XX, como Monet, Toulouse-Lautrec, Cèzanne... (Ah, nostalgia de lembranças que não vivi). O nome, Monte dos Martírios, é na verdade uma referência a cristãos mártires que foram torturados e mortos subindo a colina (nunca soube disso!). E como eu já falei algumas vezes, Montmartre é cenário do filme O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, um dos meus preferidos desde sempre, então imagina como foi mágico caminhar pelos mesmos degraus onde Nico foi atrás de sua amada Amélie?


               
              Carrossel do filme Amélie Poulain, na praça de Sacre Coeur

Uma senhora cantando GALOPEIRA nas escadarias de Sacre Coeur, não podia faltar hahaha Aqui ó!



Basílica de Sacre Coeur, maravilhoooosa, construída no final do século XIX. E essa minha visita foi na quinta-feira da semana santa, então a basílica estava mais decorada, mais cheia, mais emocionante que nunca..!


AGORA SEGURA O PAUSE QUE EU AINDA VOU VOLTAR EM MONTMARTRE COM MINHAS MIGAS NO PRÓXIMO CAPITULO.

Então continuei meu passeio por ali mesmo e, honrando minha mãe e minhas tias Rosana e Zulmira, fiz umas comprinhas na versão parisiense da loja Marisa; lá ela se chama Tati, é um pouco maior (são vários quarteirões de loja e é estranhíssimo quando te mandam atravessar a rua para procurar uma peça de roupa!) e fica no bairro Barbè, vizinho de Gare Du Nord e estranhão estilo Bronx, mas ok se você andar de cabeça erguida e com cara de “Whatzup fellas”. Comprei algumas luvas meio descartáveis lá, mas talvez tenha sido azar. Vai saber.

Não vou negar que passei alguns medinhos por ser uma turistona que só sabia perguntar o preço da cerveja em francês caminhando sozinha nessa região de Paris. Em um desses passeios, um cara me seguiu de Sacre Coeur até a estação dizendo “A date, I want a date!” e não parou até que eu disse que ia chamar a polícia. Numa outra, estava eu passando fina e bela olhando para as incríveis sacadas de prédios quando um morador de rua do tamanho de um hobbit levantou DO NADA e começou a me fechar na rua, tipo uma dança do caranguejo e quando eu disse “Excuse moi, excuse moi” e tentei empurrá-lo, guess what, ele me deu uma peitada. Sério. Dessas de jogadores de futebol comemorando gol. Corri léguas sem olhar para trás. Também me assustou um pouco o descaramento dos franceses, é de deixar brasileiro no chinelo. Quando o bebum do boteco te cantar, ao invés de pensar ‘Ai, só no Brasil’, agradece. Pra se ter uma noção, é impossível andar sozinha por alguns quarteirões sem ouvir um sussurro de qualquer coisa no ouvido “Trè-ju quiê- creuer, qui, pur ça”. Numa dessas, eu pude jurar que ouvi um “gostosa”, mas vai saber, eu já tava ficando meio lunática.

E assim findou-se minha saga sozinha. 
Na quarta-feira à tarde, fui eu com a minha mala já toda despedaçada novamente para a estação esperar minhas amigas. Ai gente, sabe aquela cena de filme? Então, eu era a atriz dessa cena. Gare Du Nord apenas sendo linda, o trem vindo de longe, o céu tomando um tom levemente alaranjado, anunciando um entardecer, e a empolgação me consumindo por dentro, afinal, eu veria rostos conhecidos depois de quase cinco dias.



 Mas como eu não vivo em um filme de romance, e sim num de comédia, um homem me abordou e começou a chamar “Mademoiselle! Mademoiselle!”; eu, já traumatizada depois de tantas perseguições, saí correndo, puxando a minha mala, e lá vem o homem “Mademoiselle! Police, Mademoiselle”. Corri mais e por pouco não levo um choque de teiser no pescoço: o cara era policial e teve que me perseguir boa parte da estação. Muito sem graça, expliquei a eles (de repente havia um batalhão ao meu redor e eu já tentava imaginar como é que se dizia “advogado” em francês) que eu estava viajando sozinha, mas minhas amigas chegariam no próximo trem, vindo de Amsterdam e a gente ia voltar pro Brasil COM CERTEZA rs. Eles se postaram do meu lado e de tempos em tempos abordavam outros viajantes (obrigada Senhor que não fui só eu!) perguntando as mesmas coisas.

 Por fim, quando o trem de Amsterdam chegou e Lorena e Nathália desembarcaram, perdi toda minha compostura parisiense e bem... Imaginem brasileiros comemorando gol na copa do mundo? Assim nos cumprimentamos. Meus amigos da polícia, que imagino que tenham criado certa curiosidade sobre a veracidade de minha versão, tentaram esconder uns risinhos satisfeitos (debochados?) quando vi as meninas. ...
Assim então, atropelando a ansiedade e as palavras, me despedi de Gare Du Nord, onde deixei parte de meu coração, e quando abri os olhos novamente, estávamos na parte alta da cidade: Trocadero.


                     Juntas em Paris, finalmente!

Update: Quem não leu a Parte I, ta aqui ó Memórias de uma blogueira na Europa

quinta-feira, 17 de setembro de 2015

A Graça está na desgraça... - por Rodrigo Forte


Oi meus queridos leitores, todo mundo bem?

Esta semana vamos de autor convidado aqui no Garota da Contracapa (êêh!). Na verdade, um amigo fez interessantes observações sobre o último texto (aqui) e eu, que logo enxerguei potencial em suas frases filosóficas banhadas nas águas de Ricardo Coiro, propus "Cara, escreve sobre isso!”. Resultado é que ele topou. Então é isso Rodrigo, pode entrar, pegar uma cerveja na geladeira, ligar a TV e ficar à vontade, pois a casa é sua.


Paula L.

A GRAÇA ESTÁ... NA DESGRAÇA



Tenho percebido a carência feminina por homens engraçados, descolados, legais e que parecem não se abater pelas miudezas da vida. O desejo de se relacionar com homens que fazem graça de coisas cotidianas, sem forçar a barra ou sem querer parecer divertidos.

O que muitas ainda não perceberam é que tentar achar o cara que se encaixa nesse perfil em rapazes bem apessoados, com carros legais e que usem roupas que são “propositalmente” sacadas de trás da porta do quarto, não é lá muito sábio. O senso de humor que arde o rosto e dói a barriga, geralmente será atributo de pessoas que, de certa forma, são desprovidas de algumas dessas coisas (ou de todas elas...).

É fácil entender: homens bonitos, charmosos, musculosos, com um sorriso largo e cheio de dentes, não precisam ser engraçados e isso é um vício social, infelizmente. O senso de humor vem do submundo da negação, do limbo do desinteresse alheio e da presença invisível.
Começa a ser trabalhado logo na infância, com a falta de jeito para os esportes e com a negativa da garota da segunda fileira de carteiras. 

Tirar sarro de si mesmo, não ter vaidade para se autodepreciar e saborear o amargo gosto da vida é para poucos. É com a falta de grana, falta de atributos físicos e falta de ser notado que nascem os caras de fácil conversa e de boas gargalhadas.
Facilmente notados em bares, são esses caras que gesticulam e fazem todos rirem ao seu redor. Podem estar rindo dele ou pra ele, mas na verdade ele não liga para o que os outros vão pensar e sim que desse lado do muro ele se encontrou e se viu confortável.

Enfim, fato é que o faro feminino anda meio descalibrado e no fundo, no fundo, talvez elas não enxerguem que os caras divertidos que vivem procurando, continuam sendo os mesmos garotos invisíveis da segunda série, pisoteados pelos bem apessoados de camisa pólo.

Por Rodrigo Forte


quinta-feira, 10 de setembro de 2015

Águas-vivas não tem coração


Pensei em começar com a novidade que havia descoberto na improdutiva tarde de trabalho, mas lembrei-me do último conselho de minha amiga “Você não precisa forçar conversa nenhuma..! O cara te chamou pra sair, quer te conquistar, ele que te envolva com um bom papo, ué!”. Dobrei a língua e voltei-me para o rapaz à minha frente, sorrindo e... Esperando que ele dissesse alguma coisa.

-O que você quer beber? –ele perguntou, vacilando entre a ansiedade e a certeza da conquista.

-Hum... –corri os olhos pelo menu. –Eu sou muito indecisa. Cardápios para mim são verdadeiros desafios. –ri.

O rapaz sorriu, mas parou por aí: nenhuma sugestão de drink, nenhuma piada, nenhum comentário. Continuei um pouco menos segura:

-Um suco de laranja.

Feitos os pedidos, mentalizei o conselho de minha amiga e acomodei-me em minha cadeira, como uma soberana. Estava prestes a lhe lançar um olhar mortal de “Surpreenda-me”, quando o rapaz finalmente abriu a boca:

-Eu sempre quis sair com você. –confidenciou.

Ok, soldado, missão cumprida. Você realmente me surpreendeu.

-Nossa, sério? –ri descontraída, aproveitando-me da situação para fazer aquele charme de mão no cabelo e sorriso de lado –E por que?

-Você é bonita, ué, e por que mais?

Travei os dentes e dei um sorriso forçado.

-É... Vou mudar meu pedido. –eu disse e ele, prontamente, chamou o garçom. –Traz uma caipvodka, por favor?

Haja álcool.

Deixei de lado o conselho de minha amiga e tentei contornar aquela batalha já perdida abordando temas por todos os lados:

-E séries, você curte?

-Ah, não. Não tenho muito tempo pra essas coisas. Trabalho na iniciativa privada, esqueceu?

Oh, sim. Aquela havia sido uma piada. Meu Deus, as coisas realmente podiam piorar.

-Você gosta?

Fogos de artifício: ele havia feito a primeira pergunta depois de quase trinta de minutos. Quis abraçá-lo.

-Nossa, sou absolutamente viciada em Game os Thrones! Já vi todas as temporadas, mas agora estou lendo os livros porque são sempre mais detalhistas, né. Para se ter uma ideia, eu queria fazer uma tatuagem em valiriano –ri sozinha de mim e adiantei em explicar. –É uma língua fictícia da série.

-Você ia tatuar uma língua que não existe? –ele perguntou incrédulo demais para disfarçar.

-Bom, existe na série. –conclui sem graça e novamente nossa mesa foi tomada pelo espaçoso silêncio constrangedor. “Vamos lá, garoto, eu estava quase apaixonada pela ideia que tinha de você..! Não quebre meu coração antes de nos conhecermos...”.

Drinks, pratos, conversas amenas. Os finais de semana, a boate, as pessoas da boate, a cidade, as pessoas da cidade, a rotina, a academia, o trabalho. No final, eu estava exausta de tanto dizer “Hum hum” e “Sei...” e meu interlocutor, tão observador e sagaz era, foi incapaz de notar meu tédio.

-Ouvi dizer que você escreve, é verdade?

Uma fucking brecha. Perguntou é por que quer saber, certo? Errado.

-Sim, costumo escrever, só que não posto ou publico. Só meus amigos mais próximos conhecem esse meu lado. Mas eu realmente gosto disso. Divagar em diferentes ou iguais visões de mundo, conhecer novos conceitos, debater opiniões, falar de amor, de viagens, de vida... Enfim, de tudo um pouco..! –terminei, tão orgulhosa quanto satisfeita com meu discurso.

O rapaz olhava-me de lado, o cenho franzido:

-Você viaja, hein? –ele riu e diante de meu olhar irritadiço tentou consertar. –É que você fala de um monte de coisa muito doida, sei lá, as outras garotas não são assim.  

“Ok, cara, então você me chamou de esquisita”. Eu tomaria aquilo como um elogio? Por Deus, é claro que tomaria. Ser diferente já me fazia insubstituível, talvez não para aquele cara, mas para alguém, com certeza. Lembrei-me da conversa de mais cedo, com os amigos conselheiros. Um deles confidenciara que a realidade era essa mesmo: um universo de jovens mulheres disponíveis e homens tão acomodados à grande oferta que sequer se importavam em manter um papo legal. “Deus-me-livre”, pensei comigo mesma, enquanto bebia meu restinho de caipvoka, “se o que esse cara procura é simplesmente uma mulher bonita disponível, e nada além disso, talvez eu tenha perdido a minha noite de quinta-feira”.

Q

Virei-me na cadeira e encarei-o por uns instantes, sorrindo, certa de estar prestes a lançar uma sentença que poria fim a qualquer ínfima possibilidade de aproximação entre nós dois:

-G... –chamei e ele me olhou, subitamente interessado. -Você sabia que as lesmas tem trinta e dois cérebros? -Pude ver a esperança esvair de seus olhos e meu nome ser trocado em sua agenda para “Bonita, mas lunática”. -Descobri hoje à tarde, numa improdutiva tarde de trabalho. –conclui orgulhosa.

Pouco depois, quando sugeri que pedisse a conta, ele quase chorou de alívio.

Então, no caminho de casa, olhando pela janela do carro, não pude deixar de fazer uma singela prece:

“Senhor,
Livra-me dos homens sérios, emburrados, apáticos, sobretudo dos entediantes. Afasta também aqueles desprovidos de senso de humor e sagacidade. Agradeço-Lhe por ter me agraciado com uma imaginação tão fértil, mas confesso que estou começando a me sentir só, portanto peço, Senhor, que envie logo o iluminado que me contará, cheio de empolgação, qualquer coisa nova sobre lesmas, ou zebras, ou águas-vivas. Ou me contará qualquer coisa sobre qualquer coisa. Guie esse jovem ao meu lado na busca pelo carisma e aprimoramento das relações interpessoais. E dê a mim, por que não, um pouco de modéstia. É tudo que peço. Amém”.

sexta-feira, 4 de setembro de 2015

"Não deixe a compaixão se afogar"


Não são tempos difíceis só para quem está engasgado com a atual situação política de nosso país. Não são tempos difíceis só para quem é vítima da crescente violência -muitas vezes gratuita- de nossa cidade. Não são tempos difíceis apenas para quem está olhando a crise econômica bem de perto, nos olhos. São tempos difíceis para todos nós, satisfeitos ou não, em qualquer parte do mundo. John Done e seus sinos não poderiam ser mais oportunos: precisamos parar de nos enxergar como pequenas ilhas cercadas por rotinas aceleradas e pensar, de verdade, que a morte de uma criança síria me diminui, te diminui, diminui a nós todos. Se em qualquer parte do mundo acontece o que a ONU chama de “maior crise humana de nossa era”, quer saber? Acontece aqui. E nada de “Já temos nossos problemas, não precisamos de mais isso e aquilo” porque solidariedade e compaixão é colocar o seu problema debaixo do braço e olhar para o lado. São tempos difíceis, mas não basta o nó na garganta e o olhar pesaroso em uma criança que representa tantas outras vítimas. Hoje eu me pergunto: to fazendo o que aqui, de bobeira nesse mundo, sendo levada pela maré do descaso? Não sei, mas sei o que não estou fazendo: não estou defendendo uma causa apenas por compartilhar fotos ou aproximando-me do desamparo dos refugiados com  meu enlutado “like”. Tateando no escuro, vamos nos mexer, geração de boas, vamos tentar conhecer um pouco disso que nos choca e deixa esse desalento aqui, e se não houver nada, nada mesmo, há algumas orações, porque são tempos difíceis, eu já disse, para todos nós. Assim, se os sinos tem dobrado todos os dias por milhares de inocentes em mortes tanto cruéis, tanto desamparadas de homens, mulheres, crianças, não se engane e faça de conta que não viu, porque no fim, eles também dobram por nós.




quinta-feira, 13 de agosto de 2015

UNIVERSOS DESCONHECIDOS - CRÔNICA




Quem me conhece sabe que meu lado dona de casa ainda não se manifestou em minha vida, de modo que eu nada pouco sei fazer em uma cozinha. Corto o que me mandarem cortar, arrumo o que me mandarem arrumar, mas só assim mesmo, feito um elfo doméstico supervisionado porque pelas minhas mãos só sai brigadeiro, pão na chapa e omelete. 

Aí esses dias fui ao supermercado comprar umas coisinhas e, obviamente, não fui fazer feira porque adivinha só: também não sei. Pra se ter uma noção, uma vez minha mãe mandou que eu e meu namorado fôssemos ao supermercado comprar uns tomates. Eu passei logo a mão em uma sacola, enchi, pensando “Tomatinhos madurinhos, Mommy vai ficar tão feliz”. E quando gritei para meu namorado “Mozão, achei os tomates”, foi que um vendedor riu sem graça, me olhou como quem olha para um animalzinho sem pata e disse “Moça, isso é caqui”.

Então tão íntima de um supermercado quanto de oficinas de carro, peguei um carrinho, contive os ímpetos de me apoiar nele e encenar passos de patinação pelo chão liso e caminhei, me sentindo a mulher mais importante do mundo, entre as prateleiras. 







Numa determinada altura eu acreditei tanto no papel de esposa responsável que desempenhava, que por pouco não comprei Danoninhos e macarrão para levar para minha família imaginária, isto é, meu marido e as crianças. Meus pés me guiaram de volta para a realidade e segui, um pouco menos segura, para a seção de bebidas; mas fiquei novamente estarrecida com a minha falta de habilidades e peguei o telefone:

-Lorena, Sidra Cereser é bom?

-Ai Paula, pelo amor de Deus. 

-Não, é porque tem uma aqui com a roupinha do Cruzeiro, uma gracinha. Será que Nathi ia gostar?

-Esquece a Sidra. Já comprou meu vinho..?

-Então. Tem muitos aqui. Tem um aqui que se chama “Vinho Canônico”, é vinho de missa? –ri  da minha piadinha idiota e Lorena continuou seca. 

-Eu quero um vinho tinto e seco. E bom.

Lembrei do comercial do Pão de Açúcar em que o Rodrigo Hilbert surge do nada indicando vinho para as pessoas e pensei em fazer umas preces. 

-Hum... Ok. Vou procurar aqui. Você quer vinho de garrafa de vidro ou de plástico? 

-Nossa senhora hein. Você ta aí sozinha? Meu Deus, chama um adulto. Claro que é de vidro, ta doida. 

-Ah, te falar: a cerveja ta quente, viu? 

-Não tem cerveja gelada aí? 

-Ué, claro que não. Supermercado só tem cerveja quente, você não sabia?

Lorena bufou do outro lado da linha. 

-Paula, -fez uma pausa, recuperando a paciência. –Procura uma pessoa com uma camisa laranja, qualquer uma. Quando encontrar uma, passa o celular para a pessoa.
Fechei a cara e respondi:

-Olha só, se você tivesse me dito exatamente o que queria eu não ficaria rodando aqui igual uma baratinha tonta. 

-Natália ta pedindo pra você comprar uma cerveja pra ela. 

-De qual? Já decorei o preço e nome de todas. To neste supermercado há três dias. 

-Tem nem vinte minutos. 

-Ah, peraí, achei o moço de rosa. 

-Laranja. 

-Moço, onde fica o Martini? 

-Martini...?  -o rapaz me olhou confuso. -Que isso? 

Lorena gargalhou do outro lado da linha.

-É marca de vinho?

-Ahn, não... É tipo... Ah, deixa pra lá. Tem cerveja gelada? 

-Claro.

-É o mesmo preço?

-Claro. 

-Obrigada. 

-Lorena, quê que eu vou fazer com meio quilo de azeitona? Não achei o Martini. Será que fica bom com Bacardi? 

-Querida, vem embora. Se deixar, você fica aí pra sempre vagando com um carrinho vazio. 

Desliguei e fui para o caixa, recebendo tantos olhares de reprovação quanto meu carrinho abarrotado de destilados permitia. Quis me desculpar para as famílias ali presentes e dizer: “É o aniversário da minha amiga, eu fiquei de comprar as bebidas. Vai bastante gente. Odeio vinho. E essa Skol Beats também não é minha, só a Bud mesmo”. Mas eles não me olhavam mais, já haviam julgado e condenado a ausência de uma aliança do dedo direito e meu carrinho cheio de álcool em plena terça-feira. Caminhei pelo estacionamento enquanto os tilintar das garrafas denunciava o conteúdo de minhas compras (era muita sacola!) e por um instante pensei em gritar “EU NÃO VOU BEBER TUDO SOZINHA, GENTE!”.



                                      para galere, to sem graça rs


Então me dei conta de que não havia “Gente” para eu me explicar. Não havia quem me conhecesse, não havia quem me observasse, não havia, na verdade, quem fosse contar quantas doses de tequila eu estava decidida a tomar naquela noite. 
E ainda que notassem, ainda que contassem, ainda que reprovassem, eu não me importava. A minha meta continuaria em aberto, de qualquer maneira.

Acomodei minhas garrafas bebê no banco traseiro, entrei no carro e falei, mais para mim do que para minha interlocutora:

-É o aquilo que ouvi dizer, Lola Angel – liguei o som. -Se eles não te conhecem, não leve pelo lado pessoal...

E saí, feliz da vida, depois do sucesso de minhas compras no supermercado.