quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Navegar, fantasiar, escolher


Para que o mundo pare de dar tantas voltas, para que eu possa enxergar um palmo diante de meu nariz sem me sentir zonza, para que siga em frente em terra firme, é preciso tomar decisões e apresentar de imediato meu “Sim, por favor”, ou rejeitar com um educado “Não, obrigada”. Sei, sei que ninguém pode viver em cima do muro dividido entre dois extremos, duas saudades, duas paixões, logo, é preciso escolher a quem se presenteia com o consentimento e a quem se magoa com a negativa. Mas vocês bem sabem que eu nunca fui muito boa em escolher. 
Só em cardápios, menus e cartas de bebidas, sou capaz de passar horas prolongando decisões. Não que eu cultive algum sadismo em relação a garçons e por isso goste de vê-los, entre sofrimento e ódio, voltando à minha mesa com bloquinho e caneta... Longe de mim. Eu só gosto de adivinhar os sabores em minha mente, fantasiar diante de tantas possibilidades, não me comprometer com qualquer uma das iguarias para ter todas à minha disposição, e por que não? Talvez ter o menu à nossa frente seja a melhor parte de qualquer escolha: há um seguro distanciamento do erro.

E errar... Ah, nisso eu sou boa. Não tanto pelas próprias escolhas, mas pelo momento em que as faço. Para a noite mansa de quinta-feira eu recomendaria a mim mesma o pedido de sempre, feito com meus ingredientes favoritos e temperado com pitadinhas de controle sobre o resultado. Terminaria satisfeita e feliz com minha iguaria rotineira, tão gostosa quanto previsível. Mas há esse gênio louco dentro de mim que se recusa a antever o final da história, e por isso, quer transformar a qualquer custo quinta-feira mansa em sábado à noite, quem sabe assim não lhe sobra diversão. Esse gênio me convenceu a deixar de lado o usual para mergulhar novamente no menu cheio de possibilidade diante dos olhos, “Afinal, fantasiar é preciso”, pude ouvi-lo sussurrar.

Mas quem vive de fantasia, não é mesmo?

O prato novo chegou e não me agradou aroma, tampouco apresentação. Que fazer senão se fazer de cega, surda, muda e engolir a contragosto a mudança que outrora escolhi? Procurando por borboletas e boas surpresas saboreei decepção, e o gosto exótico do novo não combinou em nada com a simplicidade de minhas preferências. Não que fosse de todo ruim, talvez caísse bem em uma noite de aventura, talvez escolhi mal o vinho... Ou quem sabe fosse outra a fase da minha vida, quando ainda não chegasse a hora de estar a procura de um ninho.
Tem um pouco disto e daquilo: uma ótima escolha errada para o momento certo, ou o inadiável momento errado para fazer a escolha certa.

Mas que posso eu fazer, senhores garçons, se sou irremediavelmente viciada em possibilidades? Não me venham ainda com seus bloquinhos e canetas, pois tanto não escolhi o que cairá bem nesta noite de quarta-feira, como não sei dizer para onde vão minhas negativas e meus consentimentos. Por ora, só tenho uma confissão e uma certeza sobre fantasias e realizações: é preciso cuidado ao decidir-se sobre o pedido, pois ninguém gosta de comer uma coisa, desejando sentir o sabor de outra.