terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Pior cego,

(salvo de ultracurioso.com.br)

Para ouvir: Os cegos do castelo

Agora eu uso lentes.

O tímido astigmatismo do olho esquerdo pontuando 1.75 e a enjoada miopia do direito que marca 2.50 foram finalmente corrigidos e pela eternidade sinto-me grata a essa invenção quando me vejo vendo o tempo todo.

É claro que antes das lentes enfrentava o drama que Herbert Viana cantava nos anos oitenta e usava óculos. Mas experimente fazer academia e suar o rosto todo usando óculos, ou então fazer uma maquiagem bem bonita nos olhos e coroar aquela pintura renascentista com um aro de tartaruga; pior ainda: experimente esquecer os óculos em casa e sua turma decidir ir ao cinema assim, de repente, sem se importar com sua condição de não ter condição de ver. Mãos atadas.

Coloquei as lentes e o primeiro contato foi a estranheza física, comparada talvez à estranheza de colocar cílios postiços pela primeira vez: dá aquela vontade de cutucar o olho pra tirar o cisco ou então piscar 30 vezes por segundo para adiantar o costume com o novo acessório. Uma vez acostumada à gasturinha, veio a estranheza perceptiva: o sentido da minha vida antes ia todo de acordo às conveniências de minha momentânea visão, colocava os óculos para ver o que queria e os guardava na bolsa para evitar desilusões. 
Agora me parece um pouco mais difícil me habituar a ver tudo o tempo todo, e o fato de piscar 30 vezes não mudar a cruel verdade diante de mim.

Por longo tempo estive com os óculos guardados na caixinha, levando a vida calma e miopemente, fazendo-me de cega àquela sujeirinha ali debaixo do tapete, às amizades estragadas, aos amores carcomidos, aos arranhões no para-choque do carro e na alma. Míope e distraída talvez fosse mais gostoso. A visão turva permitia que escolhesse quem seria nitidez em minha vida, quem seria borrão. Míope era mais leve, mais menina.

Lembro de Campo Geral, quando Miguilim viu o Mutum pela primeira vez e se admirou. Achou que “tudo era uma claridade, tudo novo e lindo e diferente”. Viu com força e longe e então se despediu do Mutum e da família para ver agora a vida fora dali, ver a vida feito homem. Aí vejo-me de cá, já mulher, já criada, já sabida de tanta coisa, insistir em me apegar a esses olhos míopes para não enxergar a feiura que acompanha a beleza do mundo, apegar aos olhos nebulosos para não deixar de ver certo encantamento infantil nas pessoas. 

Mas agora, como dizia no início, vejo tudo claramente. O que devia e o que não devia, a torto, a direito, de manhã, de tarde e de noite. Vejo claramente as pessoas e seus sentimentos. (Talvez estas lentes sejam mágicas)

Dizem que os olhos são a janela da alma e se por vezes o coração se machuca, a dor verte em lágrimas através deles. Embora os tenha agora mais chorosos e cansados, levo a alma tão lavada e limpa quanto minhas vistas: continuo a acreditar em pessoas encantadas, mas reconheço que, às vezes, há mais do encanto que emprestamos a almas irremediavelmente insensíveis.

domingo, 18 de dezembro de 2016

"Lar é onde está meu coração"


Lar, para mim, sempre significou pessoa e não lugar.

Lugar é qualquer cantinho desse mundo onde se pode pendurar um quadro seu, é qualquer pedaço de escritura em com nome e sobrenome, é conforto comprado com dinheiro, é passagem com destino e horário incerto, pois certo mesmo é que não haverá ninguém te esperando na chegada.

Mas lar. Lar é sempre onde moram as pessoas que amamos, essa gente que nos norteia mesmo sem bússola ao alcance e tem um dom interessante de abraçar com o olhar. Lar pode ser o lugar mais feio do mundo, mas de uma feiura aconchegante, quase bonita de ver; é sair querendo voltar e quando voltar, suspirar aliviado.

Por muito tempo acreditei que, pelas leis do Universo, um lar só poderia ser deixado em detrimento de outro, de modo que haveria sempre um porto para chamar de meu aguardando o retorno. Qual não foi a minha surpresa quando percebi num dia desses, vagueando mundo afora, que não via mais sentido em voltar? Estranhamente perdi meu porto e também deixei de ser um -me dei conta de que sem me sentir em meu lar, vivia navegando à deriva.

Assim, errante mar afora, me pego com a chave nas mãos sem saber se há qualquer diferença entre entrar ou sair; desesperada por ver sentido no cotidiano, tento trazer sabores cada vez mais fortes a uma vida irremediavelmente insípida; desorientada de meu destino, compro passagens para novos lugares certa de que haverá alguém esperando por mim no saguão.

Mas não há.

Não há nada nem ninguém que me traga um novo significado plenitude e finalmente fui obrigada a dar uma nova compreensão ao que antes chamava solidão: sem lar ou terra à vista, fiz morada em mim mesma. 

domingo, 27 de novembro de 2016

Adeus a um amor que já se foi



                                                                 “a gente morre é para provar que viveu. […]".
                                                                                 Guimarães Rosa
 


Um susto, uma lágrima tímida, uma saudade vinda de longe... 

De um tempo em que eu sorria encantada feito moça de vinte e dois anos e você me cuidava, tal e qual menino-homem de vinte e quatro - loucamente apaixonados um pelo outro. Desse tempo guardei num canto do coração, em uma caixinha empoeirada, aquele tanto de história nossa – os cheiros, as fotos, os sorrisos (meu Deus, seu sorriso), as noites em claro e, é claro, nossa peculiar trilha sonora: eu pensava em você ouvindo Katy Perry, você pensava em mim ouvindo Hugo Pena & Gabriel

Depois do susto, da lágrima tímida e de acordada essa saudade distante, veio uma dor surda, angustiante, saltando no peito ao mesmo ritmo que o coração, me perguntando a cada novo segundo: como é que eu, paixão de seu passado, poderia lidar com a notícia de sua prematura morte? Lá tinha direito de chamar de sofrimento o que sentia quando imaginava seus pais, sua irmã, sua noiva..? “Não, moça, sossega que é pretensão demais vestir o luto por um amor do passado.”

Porém foi passando o tempo. Uma hora, duas, um dia, dois... E o que deveria ir amenizando feito uma lembrança doce foi tornando-se cada vez mais dolorido, a imagem do sorriso machucava em cheio no peito e as lágrimas foram aumentando uma a uma, num gotejar intenso, até se transformarem em torrente. Tento mandar e desmandar nessa dor, mas com ou sem razão no luto (e como você costumava dizer) "o coração ta capotando aqui dentro".

Não que fossemos ainda um do outro. Não que eu o enxergasse em meu futuro. Não que eu não seja capaz de compreender que fomos inesquecíveis, mas seguimos em frente. Porém há esse porém que eu não sei explicar. Essa dor de ver as lembranças que me faziam sorrir e sentir saudade gostosa tornar-se lembrança de fazer chorar e sentir saudade doída. Antes, eu sorria de olhos fechados ao lembrar seu tom de voz altíssimo e o sotaque de menino da roça “Lindinha! Cadê ocê?”, mas agora abrir a caixinha de recordações e olhar para nosso passado só faz entristecer. 

Terminar este texto soa como despedir-me de você para sempre – uma despedida que nunca tivemos – e temo que escreva aqui mais tantas frases sem sentido para não ter que dizer adeus. Contar pro mundo como você deu um jeito nos acasos do destino e veio parar em Teófilo Otoni, me sorrindo cheio de graça e mandando beijos de uma arena de rodeio; como depois disso, magicamente, passou a transformar meus dias difíceis de Coronel Fabriciano em dias de alegria; como dizia que "qualquer dia" ia me ver e no outro aparecia na porta da minha casa, o carro largado no meio da rua e um abraço que, se fechar os olhos, posso sentir até hoje. Por isso tudo eu ainda não consigo me despedir, mas por isso tudo também sou eternamente grata, André. 

Ainda que não tivesse partido tão cedo, ainda que não fosse um menino-homem tão excepcional, ainda que eu não tivesse notícias suas por uma ou duas décadas e só me lembrasse de você bem velhinha, contando histórias de amor para minhas netas... Você já estava perpetuado em meus pensamentos desde sempre e guardado na caixinha de minhas pessoas inesquecíveis para sempre. 

Que essa saudade novamente se transforme em recordação boa e, por enquanto, "té breve, bicho baum". 

quarta-feira, 13 de julho de 2016

CASOS DE NOSSAS FOTOS VELHAS

 Recomendo para ouvir : Every Pitcure Tells a Story


        Eu sou suspeita para criticar, pois me descobri uma devota às selfies; aliás, tão selfish me tornei que o único “ista” que posso me afirmar hoje é “ego”. Mas 
guardem os julgamentos para vocês; eu só queria ser fotógrafa profissional de alguma paisagem e coincidentemente a única paisagem que posso me dizer conhecedora é a do meu próprio rosto.

Pois bem. Entre uma selfie e outra, pensei em fazer algo de mais útil e me pus a...pensar. Lembrei-me de um programa que, diferente de montanha-russa no sábado à tarde, cinema com filme dublado ou café forte sem açúcar, atende aos gostos mais exigentes e até hoje não conheço quem diga que não goste de ver fotos antigas. Sim, aquelas antigonas que só uma de nossas tias tem trancada às sete chaves num armário de mogno, ou aquelas que, por razões absolutamente desconhecidas, as mães insistem em mostrar aos namorados.

E a reunião de foto antiga mais divertida geralmente começa de maneira despretensiosa, no café de madrugada da casa de tia Zulmira ou depois da pizza e do filme em tia Ném; de repente, estamos todos sentados no chão enquanto o arsenal, ao ser passado de mão em mão, gera fontes inesgotáveis de bullying familiar “Pelamor de Deus, ó meu cabelo gente! Por que cês não me falavam”, “E André que só tinha essa bermuda?”, “Nossa, tia, queima essa foto aqui!”. Por um lado gargalhadas, por outro, suspiros e olhos marejados de lembranças: sempre tem aquela foto do Carnaval de 1996, em Alcobaça, quando estávamos reunidos tomando Milk Shake na Khalua e aí alguém solta “Tempo bom que não volta mais...” Perco tempo me perguntando agora: no futuro vou sentir saudade do presente, como no presente sinto falta do passado? Experiências me dizem que sim... Vai saber?

Mas interessante mesmo -constatei depois de ver tantas fotos antigas- é que nossos pais com uma Kodak e um filme de 36 poses que deveria durar todo o verão, não hesitavam em registrar fotos que não pareciam muito profissionais e provavelmente não captavam nossos melhores ângulos (outro salve pra tia Ném!); se a gente parar pra reparar bem são umas fotos meio feias essas fotos antigas, principalmente se não for foto da nossa família: é cara amarrada no banco de trás do carro, um sem fim de bocas e dentes numa gargalhada, rosto sujo de picolé de minissaia, trezentas crianças sem camisa na carroceria de uma Fiorino (isto sem mencionar as fotos da ceia do Natal!). 
Verdade que talvez falte às nossas fotos antigas alguma beleza, -a beleza óbvia e apática que nossa geração #selfiesh é perita em registrar -, talvez uns filtros caíssem bem e uma iluminaçãozinha não fizesse mal, entretanto, diferente de minha pasta intitulada ‘Selfie’ que poderia ser facilmente substituída por ‘Nadas’, diferente de rostos perfeitos e vazios, de moeda de troca por like e atenção, todas as nossas fotos antigas contam uma história, não é mesmo? 



Saudoso vô Luciano... Saudoso pé de goiaba!


Carreta Furacão dos anos 90


Mãe diz: “Poe o capacete no de cabelinho liso, ta moço?”


Cosmopolitan indo passar um efe-de-esse com meu pai em GV (de lá pra cá não mudou muita coisa)



Rosinha, nossa canoa!

Bendito sacaneado entre as primas



Essa não é antiga, mas eu quis postar mesmo assim porque é vó soberana. 



E pra encerrar: a gente na Kalua, tomando Milk Shake, em um Carnaval de 1900 e bolinha de gude (apesar de que nessa foto nem tem eu, mas ah, deu pra entender...)


sábado, 2 de julho de 2016

Qual é a música da vida de vocês?






Esses dias estive revirando o baú velho do meu passado procurando algo que naquele momento me parecia imprescindível, mas imprescindível é a primeira coisa que me vem à mente até  que eu me esqueça dela, de modo que do meu passado voltei com tudo quanto  é tralha e lembrança nos braços, menos a tal coisa que comecei a procurar.

E dentre as novas tralhas e lembranças, que agora me pareciam absolutamente...imprescindíveis, estavam minhas músicas antigas. Você já ouviu uma música que se tornou a trilha sonora perfeita para sua vida, ou fez de suas viagens ainda mais inesquecíveis e não importa quanto tempo passe, aquela música ainda vai te sacudir por dentro?
Mas é claro que você já ouviu. É claro que você tem uma música sua.

Eu ainda me lembro de quando ouvi Stairway to Heaven pela primeira vez, aos cartorze ou quinze anos, na casa de um de meus amigos e como foi estranho constatar, logo nos primeiros sons do dedilhado melancólico, que aquela era a minha música e me marcaria dali por diante. Uma dessas descobertas mágicas.
Só que havia me esquecido dessa sensação encontrar algo bom de repente.
Meus sentidos se tornaram meio surdos e a falta de tempo só tem me permitido ouvir “As Top 10 da Semana” de modo que minhas novas descobertas se resumem um combo de cantores de um só sucesso e música inferninho do último verão.

É tanta praticidade deixar o aplicativo escolher a playlist, deixar o site fazer o roteiro de viagem, ou a crítica dizer o que deve ou não ler, que cada vez menos há chances de boas surpresas, e quando você se assusta ta usando até as palavras práticas para se referir a momentos e sentimentos “Pessoa top”.
Não, não, não. Me chama de formidável, mas não me chama de top, -estou abdicando de tudo aquilo que pode ser definido de maneira tão simplória e fria.

Mas voltando à falar da música, porque na verdade eu não tinha absolutamente nada para escrever –só queria mesmo postar essa foto linda do Robert Plant, mas ia ficar sem sentido e sem assunto, aí pensei em escrever um parágrafo sobre uns CDs antigos que encontrei, de quando tinha dezesseis anos, porém detesto casos resumidos aí acabou que – 

MAS voltando a falar da música: qual é a de vocês?

quinta-feira, 14 de abril de 2016

Pela frustração nossa de cada dia (nota da terapia)

                                          (Escuta essa música.) 

No começo, bem no começo, eu achava que terapia fosse uma encheção de saco estilo “Um dia daqueles” e demais livrinhos autoajuda que mandam relatar a experiência de abraçar uma árvore. Não me julguem, eu nunca havia experimentado tal tratamento, mas sendo metida a opinar sobre tudo, essa era minha opinião. “Veja bem”, eu me pegava zombando “como é que a pessoa diz ‘Não fique triste’ e aí a gente, pá, simplesmente não fica? Eu não perco meu tempo”.

Porém os tortuosos caminhos da vida nos levam a pagar a língua, de modo que em uma devastadora manhã de sábado deixei de lado meus preconceitos e me rendi a uma primeira sessão de terapia. Tão deprimida estava que de cética passei logo a crente fervorosa: minha terapeuta era a tábua do náufrago, as sessões curariam milagrosamente a melancolia que eu carregava nos olhos e meus dias seriam todos de sol. “Como não pensei nisso antes? Procurar ajuda profissional... Tão óbvio, certo?”.

Então.

Por um tempo levei comigo essa estúpida certeza de que sessões de terapia serviam para nos tornar instantaneamente felizes. Entra na sala chorando, sai sorrindo, magic; afinal aquele tal profissional não possuía em qualquer canto de sua bolsinha a fórmula exata do amor, do sucesso, da alegria, da coragem, do modo de ver a vida? Não, ele não possuía e nem possui. Não existe fórmula, nem tutorial no Youtube, nem palestra motivacional que te faça chegar lá. Existe o mundo te encarando e você encarando o mundo de volta. E quando nos perdemos numa dessas voltas, seu amigo terapeuta em vez de lhe responder feito um oráculo “Termina esse namoro, minha filha”, ou “Muda de cidade, amigo”, faz muito melhor: te leva numa dessas viagens espaciais entre passado, presente e futuro, pontuando erros e acertos, preferências e anseios, fracassos e vitórias, e de repente, voilà, cê continua sem uma resposta concreta, mas algo no fundo de seu coração, talvez ali atrás da porta, sussurra “Já sabe o que deve fazer, né?”. 

Muitas vezes, depois de intensos debates travados entre eu, eu mesma e meu amigo terapeuta, cheguei a conclusões que me deixaram satisfeitíssima com a vida e saí da terapia certa de que esse negócio fazia a gente feliz mesmo, ponto final e bora todo mundo abraçar a árvore.

Entretanto noutras vezes colocamos as cartas na mesa, amigo terapeuta e eu, e ao final da sessão eu estava triste, mas triste de não ter fim, a ponto de sair daquela sala e ir direto embora para Pasárgada com a passagem só de ida no bolso. Veja bem: eu e eu mesma não chegamos a um consenso e eu não saberia lhes dizer quão doloroso foi me aconselhar a fazer exatamente o contrário do que meu coração tolo ansiava. A um lado, a criança apaixonada insistia dizendo “Mas eu quero tanto, tanto...”, enquanto as experiências, histórias e os objetivos arrematavam feito uma ríspida mãe, “Hoje não” e mais tarde, em um futuro não sei quão distante, talvez eu fosse capaz de me agradecer por ter deixado de alimentar felicidades clandestinas com mentiras sinceras... Não sei. Sei que há os dias bons e os dias ruins.

Entre idas e vindas de terapias entendi que, por sorte, ninguém prometeu curar a persistente melancolia de minha alma ou essa mania de conversar com folhas em branco, e graças a Deus por essas promessas não feitas, pelo tempo que nem sempre será bom, pelas súbitas vontades de ir embora pra Pasárgada, pelos finais que nem sempre serão felizes (mas nem sempre serão finais...). Graças a Deus por amigos terapeutas que não prometeram me livrar das frustrações.  
Viver é quase nada de um mar calmo.  


quinta-feira, 31 de março de 2016

ÓLEO DE COCO: E EU ACREDITEI


Hoje deixarei meu egoísmo de lado e não vou falar de minhas crises existenciais ou chorar confusões. Hoje o assunto é mais profundo e a situação exige que um viés de blogueira antenada e falante venha dividir novidadinhas com vocês no melhor estilo “Oi gente, tudo bem com vocês?”. Pois bem, falaremos de cabelo.

Do latim: Cabellls.


Então, muitos dos meus leitores me mandam tweets, emails e comentários perguntando como é que cuido das minhas madeixas para que estejam sempre com esse aspecto opaco, sem balanço, sem vida, sem corte e hoje vou atender aos pedidos e dividir um pouquinho dessa minha rotina com vocês. 

Fui uma pessoa muito vaidosa em tempos de minha juventude. Talvez por falta do que fazer ou por pura insegurança quanto ao que meu conteúdo poderia oferecer, eu era capaz de passar uma tarde inteirinha estirada no sol fazendo marquinha de biquíni, hidratando os cabelos e esfoliando o corpo. Hoje eu sou uma senhora um tanto sem paciência, portanto dedico minhas tardes livres geralmente a... Livros. Mas aí um anjo sussurrou em meu ouvido que minha pele estava muito pálida, o corpo desleixado demais e os cabelos então... “Fia, dá um jeito nisso, ta uma droga”.

Breve história dos meus cabelos: não é liso, nunca foi, nunca será. Trabalhoso a vida toda, ele insistia em se tornar mais rebelde quando se comparava aos cabelos de capa de revista de todas as minhas primas, o que deixa claro que não tive uma infância fácil.  Entre uma progressiva e outra, entre umas quedas de cabelo e outras, entre uma textura de cabelo de plástico e outra, fui largando as químicas (e  largar progressiva é igual largar vício: tem recaída, abstinência, tristeza, superação e tudo mais). Mas não é porque o cabelo não está exatamente do jeito que você sonha que por isso vai fazer como eu e largar de mão dos coitados dos fios usando xampu do irmão, da mãe, do cachorro, né?



Primeiro assisti um vídeo dizendo “Faça um cronograma capilar” e aparentemente é necessário hidratar, nutrir, umectar o cabelo quase que toda semana –Pausa para pensar: não tenho um cronograma da minha vida, da minha hora de comer, da hora de ir pra academia, vê lá se vou ter cronograma de cabelo? – ok, vamo tentar. Passei a nutrir os cabelllsss com uma máscara reconstrutora da L’óreal (Porque Você Vale Muito) uma vez ao mês e hidratar com uma máscara dessas baratas mesmo duas vezes na semana (a da Ox, por exemplo, é ótima). Aí nesse entremeio minha prima me falou do óleo de coco: cura resfriado, dor nas costas, prisão de ventre, anemia, sinusite e ainda dá brilho e balanço aos cabelos, e lá fui eu ao supermercado desesperada pelo potinho de bálsamo da vida (25 conto o maiorzinho).

Como toda pessoa que se ilude facilmente com propagandas exageradas e testemunhos de milagres, aproveitei a primeira tarde livre e comecei a fazer meu tratamento. Segundo uma moça do Youtube que tem Cabelos de Rainha, pode aplicar o óleo no cabelo seco, sujo, molhado ou limpo, tanto faz, e eu fiz a linha preguiçosa e passei nele seco e sujo mesmo. A textura do óleo é incrível e à medida que fui passando, fui sentindo o cabelo ficando mais macio. Nisso minha empolgação cresceu e faltou muito pouco para que eu bebesse o óleo de coco, mergulhasse de cabeça no potinho, passasse na cara e nos dentes. #SouDessasSemNoção


Cabelos de Rainha disse que ficava com o óleo no cabelo por cerca de três horas e como eu adoro bater recordes, fiquei quatro. A hora de lavar chegou e eu mal me aguentava de ansiedade, parecia até que tinha feito uma reconstrução da Joico; no chuveiro, já começou a suspeita de que aquilo não sairia do meu cabelo nunca NUNCA mais e eu comecei a ficar tensa, afinal eu sou uma dessas pessoas que vivem perigosamente e adoram testar novidades em dias de eventos, de modo que em duas horas eu tinha que estar em uma festa com o cabelo apresentável. Já estava na quarta mão de xampu quando considerei a possibilidade de lavar uma quinta vez com detergente, mas resisti à tentação e segui para o condicionador como Cabelos de Rainha havia me instruído  “Lave normalmente” (só esqueceu de dizer que é meio vidro de xampu por lavada). Sequei o cabelo com a toalha, dei aquela batida de secador básica para acelerar o resultado e o resultado foi ... o cabelo de Mercur, o Homem da Borracha. Você não conhece Mercur, o Homem da Borracha? Vou postar uma foto minha depois do óleo de coco e vocês vão se lembrar dele.






O aspecto não foi de todo ruim. Deu bastante brilho e fez até que ia ficar sedoso, mas meu exagero em passar mais óleo do que devia impediu. Sobre deixar os cabelos mais lisos, nada a ver. Meu cabelo continua com as mesmas ondas revoltas, mas um pouco mais macias. Numa nota de 0 a 10, classifico o resultado do tratamento dessa tarde como 7. Bom, mas nada de especial. Mais negocio que passar óleo de coco no cabelo, é lavar com a água milagrosa de São Paulo, você já sai do banheiro com o cabelo de capa de revista, mas esse mundão de meu Deus é grande demais e em Teófilo Otoni a água faz o efeito contrário e milagre mesmo é um cabelo ficar bonito aqui. De qualquer modo, eu ainda não desisti. O anjo me disse que tudo bem ler livros enquanto toma sol, hidrata os cabelos, faz ritual de beleza, conteúdo e vaidade não precisam ser inimigos. Agora vou fazer um cronograma capilar, um mapa astral, vou nutrir, hidratar, umectar, cortar, vou passar Geleia Real se disserem que fica bom, e de tempos em tempos venho aqui, fazendo a linha Cabelos de Rainha, contar as novidades para vocês.


Um beijo e uma borrifada de Uniq One em vocês. 


quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

Navegar, fantasiar, escolher


Para que o mundo pare de dar tantas voltas, para que eu possa enxergar um palmo diante de meu nariz sem me sentir zonza, para que siga em frente em terra firme, é preciso tomar decisões e apresentar de imediato meu “Sim, por favor”, ou rejeitar com um educado “Não, obrigada”. Sei, sei que ninguém pode viver em cima do muro dividido entre dois extremos, duas saudades, duas paixões, logo, é preciso escolher a quem se presenteia com o consentimento e a quem se magoa com a negativa. Mas vocês bem sabem que eu nunca fui muito boa em escolher. 
Só em cardápios, menus e cartas de bebidas, sou capaz de passar horas prolongando decisões. Não que eu cultive algum sadismo em relação a garçons e por isso goste de vê-los, entre sofrimento e ódio, voltando à minha mesa com bloquinho e caneta... Longe de mim. Eu só gosto de adivinhar os sabores em minha mente, fantasiar diante de tantas possibilidades, não me comprometer com qualquer uma das iguarias para ter todas à minha disposição, e por que não? Talvez ter o menu à nossa frente seja a melhor parte de qualquer escolha: há um seguro distanciamento do erro.

E errar... Ah, nisso eu sou boa. Não tanto pelas próprias escolhas, mas pelo momento em que as faço. Para a noite mansa de quinta-feira eu recomendaria a mim mesma o pedido de sempre, feito com meus ingredientes favoritos e temperado com pitadinhas de controle sobre o resultado. Terminaria satisfeita e feliz com minha iguaria rotineira, tão gostosa quanto previsível. Mas há esse gênio louco dentro de mim que se recusa a antever o final da história, e por isso, quer transformar a qualquer custo quinta-feira mansa em sábado à noite, quem sabe assim não lhe sobra diversão. Esse gênio me convenceu a deixar de lado o usual para mergulhar novamente no menu cheio de possibilidade diante dos olhos, “Afinal, fantasiar é preciso”, pude ouvi-lo sussurrar.

Mas quem vive de fantasia, não é mesmo?

O prato novo chegou e não me agradou aroma, tampouco apresentação. Que fazer senão se fazer de cega, surda, muda e engolir a contragosto a mudança que outrora escolhi? Procurando por borboletas e boas surpresas saboreei decepção, e o gosto exótico do novo não combinou em nada com a simplicidade de minhas preferências. Não que fosse de todo ruim, talvez caísse bem em uma noite de aventura, talvez escolhi mal o vinho... Ou quem sabe fosse outra a fase da minha vida, quando ainda não chegasse a hora de estar a procura de um ninho.
Tem um pouco disto e daquilo: uma ótima escolha errada para o momento certo, ou o inadiável momento errado para fazer a escolha certa.

Mas que posso eu fazer, senhores garçons, se sou irremediavelmente viciada em possibilidades? Não me venham ainda com seus bloquinhos e canetas, pois tanto não escolhi o que cairá bem nesta noite de quarta-feira, como não sei dizer para onde vão minhas negativas e meus consentimentos. Por ora, só tenho uma confissão e uma certeza sobre fantasias e realizações: é preciso cuidado ao decidir-se sobre o pedido, pois ninguém gosta de comer uma coisa, desejando sentir o sabor de outra.



segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Para (uma certa) Dona Pequetita


Não me lembro exatamente de como foi que Dona Pequetita entrou em minha vida –se topei com ela no supermercado carregando uma bacia cheia de sonhos na cabeça ou se foi no velório de um parente distante-, sei que quando dei fé, já havia me habituado ao gosto de seus bolos sempre solados e das sopas bem chegadinhas no sal. Aliás, “Sá-l”, Dona Pequetita sempre dizia acentuando a ponta da língua no céu da boca, acrescentando tantos "L" quanto possível no final de cada palavra. 
Finá-l-l-l.


Conhecendo-a melhor, descobri que era cheia de estranhas manias e havia muito pouco em Dona Pequetita que se pudesse chamar de comum. Suas preferências por acomodações pura excentricidade enchiam-na de orgulho e assim, tal e qual uma engenheira, discorria me explicando como é que erguera seu barracão a partir de grade de portão enferrujado, lona velha e tábua carcomida. E essa construção, que enchia os olhos de Dona Pequetita, também emprestava embaraço aos filhos quando explicavam “E você vendo, né? Um casarão deste tamanho e mamãe com essa mania de dormir no quintal...”.


Modesta como sempre fora a vida toda, Dona Pequetita detestava grã fineza e o trocado que recebia de sua aposentadoria sustentava-a plenamente: nunca precisava pedir nada a ninguém. Eu perguntava então sobre o dia de receber seu aposento, se não tinha medo da bandidagem que estava demais por esses dias, e minha heroína ria, desafiadora, respondendo-me cheia de audácia “Mas quem é!”; revirava sua bolsinha de lona preta e de lá tirava um Baygon enorme, enquanto explicava “Tem cal-l-l-do de pimenta aqui. Eu rumo nos zói deles!”. Não bastasse aquele spray improvisado, Dona Pequetita sempre carregava um bastão de ferro embrulhado em um tecido estampadinho e era por isso que quase ninguém dava conta de carregar sua bolsinha de lona (a não ser ela mesma, é claro). Em contrapartida, Dona Pequetita não pensava que ninguém além dela fosse capaz de se defender sozinho, por isso dizia sempre quando os netos e os filhos se despediam “Vai com Deus e toma cuidado que esse povo de hoje ta muito ruim”. Ah, como não dizer que ela sempre soube de tudo e via além, mesmo com seus olhos acinzentados? 


De tanto ler, o que aprendeu depois de grande e sozinha, tornou-se uma extraordinária contadora de histórias e eu ouvia os mesmos casos repetidas vezes, quando me transportava para a década de trinta, quarenta, sessenta, tamanha era a riqueza de detalhes de seus contos. Quando, entre uma narrativa e outra, esquecia-se de uma data ou do nome de uma pessoa que conheceu na folia de reis de mil novecentos e trinta e sete, sobressaltava-se e me confessava temerosa que morria de medo de estar “pegando” aquela doença que fazia esquecer das coisas. “Que doença, Dona Pequetita?”, “Ah, a do nome alemão!”. E eu morria de rir, afinal, aos noventa não deve ser muito fácil se lembrar do dia e ano em que Getúlio Vargas morreu; mas num segundo ela me interrompia e dizia animadíssima “Foi no dia do casamento de Glória!”, e pronto, lá estava ela desfiando datas e detalhes que nenhum professor de História foi capaz de enfiar em minha cabeça por mais de uma semana. 
Aniversários? Quem seria o Facebook para ter a precisão de Dona Pequetita.


Mas o mais excêntrico dela, além de tudo mais e do descontentamento em tomar banho que alguns de seus netos herdaram, era sua velha amizade com a morte. Uma vez cheguei ao seu barracão e lá estava Dona Pequetita, miúda e sorridente, espinicando um pedaço de isopor dentro de uma musselina preta forrada de florzinhas brancas.

-Que é isso, Dona Pequetita? –perguntei mal antevendo a resposta.

-Ah..! –ela sorriu tão empolgada quanto podia ser –Isto aqui é um travesseiro pro cês botarem em meu caixão quando eu morrer.

Arregalei os olhos e ela explicou:

-Eu quero ficar com a cabeça no a-l-l-to. Ai docê’s de me deixar com a cabeça pra trás, esticada, sem ver nada. Ih, vai ser uma festa boa... Capaz que eu danço até uma rumba!

E rindo-me sem graça entre uma e outra menção de Dona Pequetita à morte, percebi que ela planejava a sua de verdade. Dona Pequetita pagara por seu próprio terreno no cemitério e quando quitou a última prestação parecia estar tão alegre quanto quem termina de quitar a casa própria. Velórios eram os únicos eventos que se recusava a perder, e dependendo da importância do finado, ela até tomava banho. O marido, a quem ela sempre se referia carinhosa e simploriamente como “O véi” foi antes dela e Dona Pequetita, depois de seu luto, ficou um veneno reclamando e maldizendo-o. Mas experimentasse você reclamar dele, ah... Esta era uma atribuição exclusivamente sua e era de tanto defender o marido, que terminava por adoçar-se, cantando lamuriosa: -É porque bem sei que quem tanto amei não verei jamais...


Mas Dona Pequetita era ser humano e também tinha seus medos e suas tristezas. Depois de dobrar a curva dos noventa, foi que perdeu de vez a visão e passou a desejar que se apressasse o encontro com o Véi do outro lado da vida. Os filhos e netos então brigavam e fechavam a cara –que ela já não podia mais reconhecer ou notar as mudanças do tempo -; eram incapazes de compreender que para Dona Pequetita, em sua modesta existência, não havia nada mais maravilhoso do que admirar as criações de Deus. Outrora, se demorava observando as lagartas que caiam do pé de coco, as formigas carregando grãos de arroz, casinhas de João-de-barro e ipês floridos; parava em tudo quanto é estrada para olhar as árvores e esperava ansiosa o surgir da lua toda noite no céu enquanto comentava nos dando simpáticos safanões “Espia, Marcolino, como ta cheia!”. E admirava e admirava bendizendo a Deus por tanta perfeição. 
Ah, nós não poderíamos entender e ainda que tentássemos... Dona Pequetita aprendera a colorir sua vida de menina da roça com olhares longínquos pela natureza e em tudo mais onde via Deus, era injustiça exigir que ela, aos noventa anos, enxergando tanto cinza, tanto preto, tanto nada, ainda conservasse sua alegria de viver.


E eu fiquei ruim da vida quando descobri que minha amiga estava assim tão jururu. Tentei agradar-lhe de todas as maneiras, levei fitas, rádios, doces, panelinhas de alumínio e jogos, mas ela estava amuada e deprimida dizendo sem me olhar, tampouco ver “Deixa aí, meu fi...”.


O acontecer da vida fez com que meu caminho fosse para bem longe do norte de Minas e no dia em que fui me despedir de Dona Pequetita, não contive minhas lágrimas. Chorei abraçado àquela minha avó tão sui generis e implorei para que esperasse ainda minha última visita antes que fosse a hora dela partir, no que ela me respondeu, dando de ombros com aquele seu divertido ar desinteressado “Eh Eh..!”. Confesso que até o último aceno de adeus esperei que Dona Pequetita fosse derramar algumas lágrimas também, se comover um tantinho que fosse, dizer com a voz embargada que sentiria muita saudade de mim, mas a senhorinha apenas cruzou as mãozinhas para trás, empertigada e sorriu com seus dentes todos iguais “Vai com Deus e cuidado com a bandidagem!”.


Não vou dizer que não fiquei chateado diante da insensibilidade de minha avó emprestada; talvez sua verdadeira comoção fosse reservada para os parentes de sangue e não para um estranho. Mas para meu alívio, depois descobri que ninguém, nem parente nem amigo, havia visto Dona Pequetita chorar ou até mesmo fazer como se fosse. Eu me perguntava: como é que conseguia se manter tão serena e impassível diante dos infortúnios e desencontros da vida? E via-a  me respondendo enquanto sacudia a mão no ar “Deixa, deixa que um dia cê entende...”.

Ah, como eu gostaria de trazer aqui o final feliz que minha adorada amiga merece. Queria contar que ela voltou a ver as cores do mundo e o rosto dos netos, contar que ela já não se queixa da velhice e do tédio, contar que não há um só dia que não passe cantarolando Francisco Alves e sintonizando seu radinho para ouvir a missa de sete da manhã. Mas essa vida é cheia de mas e Dona Pequetita já sabia disso muito antes de mim, e assim levava seus dias como todos nós (jovens ansiosos e cansados) contando um a mais, contando um a menos. 

E de dia a mais, dia a menos, de derradeiro em derradeiro ano, finalmente reencontrei minha heroína em sua festa de aniversário de noventa e tantos, onde os filhos corriam pra lá e pra cá tentando fazer suas vontades e as netas, faceiras que só, chamavam-na "Dona Highlander, vem tirar foto com a gente!", no que ela respondia cheia de braveza "Mas custa..!". Dona Pequetita estava do mesmo jeitim de quanto nos despedimos e eu, piegas e derretido como sempre sou, senti um nó na garganta ao avistá-la naquele mundaréu de gente. Ela ralhava e resmungava e fazia caretas, xingando Sil-l-l-vana aqui e Maria do Carmo acolá. Quando uma das sobrinhas abraçou-a desejando seus sinceros parabéns e fazendo umas preces a Nossa Senhora de Fátima, pensei que Dona Pequetita fosse lhe dar uns safanões e repreender "Ih diabos! E eu lá gosto dessa abraçação besta?". Mas ela estava feliz demais para se fazer de rogada. Esquecia-se por um instante de suas caretas e se punha a sorrir satisfeita, apreciando o som do acordeão ao fundo e sentando sá-l em seu prato de canjiquinha. 


Aproximei-me e cumprimentei a dona da minha saudade com a frase da qual tanto senti falta por esses anos todos e terminava por resumir, de um jeito ou de outro, a ternura, o amor, o respeito e a admiração que marejavam meus olhos e embargavam a voz:


-Bença, Vó Pequetita. Ta boa?