quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Mãe, só tem duas.



E se você tivesse duas mães, como seria?

Sim, as mães são criaturas dóceis, protetoras, maravilhosas e essa coisa linda toda, mas atire a primeira pedra –NOT- quem nunca falou (em pensamento, óbvio) “Mãe, faça silêncio pelo menos por algumas horas, eu não agüento mais.”
Agora se imagine em meio ao fogo cruzado entre uma Mãe Original de fábrica excessivamente dominadora e avoada, e outra Mãe Postiça, dura feito um general, cética feito um robô. 


*Poker face*


São irmãs, as minhas mães; e “ai” da Mãe Original sonhar que apelidei de mãe a postiça, porque além de autoritária, ela é possessiva que só vendo. A Mãe de Lá me liga todos os dias e passa HORAS no telefone me dizendo de como proceder com meu café da manhã, meu banho, almoço, vestuário e demais impasses da vida adulta. A Mãe de Cá, quando desligo, diz o que fiz de errado durante o dia. Então tive uma idéia inteligente que solucionou o problema de perder duas horas do dia com relatórios: coloco uma pra falar com a outra.


É muito interessante ouvi-las debaterem calorosamente meu gênio, meus defeitos (qualidade nunca vi falando sobre), meu humor do dia; tudo em termos do latim desconhecido que aprenderam na escola das franciscanas, quando Noé ainda era vivo: “Hoje ela está completamente sorumbática. Nem saiu do quarto”; Mãe de Lá responde algo como “Coitadinha” e assim segue o assunto sobre as plantas, o Big Brother, as cores da estação.
(Agora mesmo escutei um “É volúvel demais, essa menina!”, Mãe de Cá diz em tom desaprovador, mas muito satisfeita por me conhecer tanto, e Mãe de Lá se sente irritada, porque a filha é dela e só ela me conhece tão bem).


Engraçado foi quando Mãe de Lá veio passar uns tempos aqui e eu fiquei às voltas com as duas VINTE E QUATRO HORAS/DIA.
Engraçado na verdade não cabe na frase acima. Foi uma loucura. Em alguns momentos pensei em fugir de casa, pois não agüentava mais TANTAS opiniões sobre meu cabelo, meu sapato, meu namorado, meu quarto, eu. 


Certa noite cheguei do trabalho completamente exausta e me larguei no sofá, apenas respirando e inexistindo, quando um formigamento de alegria passou por meu corpo: era dia da ginástica das duas! Eu ficaria sozinha. Sozinha em casa! Silêncio e suspiro.
Daí Mummy (Mãe de Lá) diz que não vai porque não tem roupa e está com preguiça; eu então, mais rápida e ágil do que um relâmpago, procuro as minhas roupas de academia, separo tênis, meia, casaquinho:
    -Pronto, Mãe. Só vestir!
Ela depois de vestida senta-se na cama desanimada:
    -Mas eu estou com preguiça de arrumar meu cabelo.
Então me vejo dedicada, penteando-lhe e fazendo um rabo de cavalo mimoso:
    -Pronto! Podem ir.
Por pouco não entrego o dinheiro para o lanche, e então me permito sorrir, satisfeita, espreguiçando-me na cama.
    -Então estamos indo. –diz Mãe Cética & Bem Resolvida, vestida simploriamente com seu abadá “Skol Folia 2009”.


Quando finalmente solto a respiração que havia prendido ainda quando me espreguiçava na cama: cabrum! “Oh meu Deus, diga que um míssil caiu há alguns metros daqui, mas não diga que isso é uma tempestade”.
Saio em disparada para o portão, antes que elas desistissem:
    -Eu levo vocês de carro! E busco! 


Tarde demais. Relâmpagos, trovões e pingos de dois litros cada. Mãe Preguiçosa entra em casa satisfeita, desfaz o rabinho de cavalo e falta gritar: “Uhul! Eu não queria ir naquela ginástica da terceira idade mesmo!”; Mãe Resolvida resmunga, olha para o céu, e volta para casa.


Daí resolvo entregar meu trabalho na faculdade. Uma volta de carro pela cidade ao som de Katy Perry e meu humor estaria recomposto.
    -Nós vamos também! Não conheço sua faculdade, minha filha.


Nota: Minha Mãe Distante pontua cada frase com “minha filha”; acho uma fofura, mas nesse momento encarei-a com olhar de ‘Que bruxaria é essa?’. 


Acho que, nunca na história da Unileste, alguém subiu tão rápido o lance de escadas do último andar, quanto eu naquela noite, ladeada por duas senhoras curiosas e animadas, trajando roupas de academia (abadás, casaquinho de lã e meia de bichinho).
Quando descíamos a rampa (eu, sem freio), Mãe de Lá diz bastante satisfeita que na minha faculdade havia muitos rapazes bonitos e simpáticos, quando a outra Mãe de Cá solta nervosa:


    -Gente! Alguém cuspiu em minha cabeça! –leva a mão aos cabelos indignada, encarando os alunos escorados no corrimão.
    -Hihihihi –Mummy ri maliciosamente. –Estão praticando bullying com você, Zana. Hihihi.


Claro que ninguém havia cuspido nela, mas dramática como toda boa sagitariana, logo acusou o povo da faculdade e saiu pisando forte do campus. Mummy, geminiana e adolescente, disse que foi muito aprazível a noite de passeio, que “tudo bem isso aqui parecer um brejo –o estacionamento da faculdade- mas pensei que fosse mais feio, minha filha”. Sorri meiga.


Eu tentei desempenhar o papel de boa filha para as duas: paciente, doce, organizada, madura, ingênua, delicada, forte, destemida, trabalhadora, divertida, disponível, MAGRA e resignada; acho que falhei em um bocado de coisa, mas foi e é divertido ter duas mães. Sim, duas cobranças, cada uma à sua maneira, com seu gosto; mas é reconfortante ouvi-las preocupadas com a roupa da próxima festa, com meus dias ‘sorumbáticos’, e todas aquelas recomendações de Mães. Há dias, como o dia de hoje, em que estou irritada e impaciente, e qualquer reclamação já me faz girar os olhos. Mas há dias, ainda como o de hoje, em que sinto uma saudade que chega a doer das minhas mães, a Mãe de Lá, reclamando e sendo adolescente, e a Mãe de Cá, aconselhando e me ensinando a lavar roupas; porque no fundo acho que a minha irritação é a falta delas.