quinta-feira, 23 de abril de 2015

PAUSA PRO CAFÉ – PAPO DE ESCRITÓRIO


“Pelo visto existem maneiras piores de se ganhar dinheiro do que vendendo sua mão de obra oito horas/dia”, pensou Joana enquanto descontava toda sua ira e frustração em uma lata de cookies de chocolate. Era seu intervalo no trabalho e ela, ignorando o calor infernal daquela sala, bebericava um café super quente. Inspirou e respirou fundo novamente tentando colocar os pensamentos em ordem: “Juros de financiamento. Financiamento nadando em juros. Será que eles não tem vergonha de fazer isso com pessoas trabalhadoras?”. Por fim, ainda concentrada na breve explicação que Bruna lhe fizera sobre o assunto, desabafou:

-Então quer dizer que eu vou pegar um dinheiro que eu preciso no banco e vou pagar o DOBRO? Como?  Se para começo de conversa, eu sou uma pessoa que nem tem dinheiro? Isso é tão errado!
-Joana, onde você tem morado enquanto pessoas normais compram apartamentos, carros e casas na praia? No mundo das borboletas azuis e gatinhos brancos? Todo mundo que não é declaradamente rico precisa financiar algum montante em algum momento da vida!
-Mas isso não pode! Eles não podem me fazer pagar o dobro! Precisamos mudar isso, mudar o mundo, fazer alguma coisa...
E daí o estagiário que acompanhava o café já se viu muito empolgado em meio à conversa:
-Poderíamos fazer um novo “Vem pra rua”! –e continuou sorrindo esperando uma salva de palmas, mesmo diante do olhar enfadado de Bruna.
-Sério que você aguenta esse cara o dia todo?
Mas Joana às vezes adorava viajar em sua mente e já estava empolgadíssima com a ideia de Gabriel.
-SIM! Temos que fazer isso..! Dessa vez sim o movimento teria fundamento! Imagine que a gente crie um grupo do Facebook dizendo “Boicote ao financiamento” ou “Diga NÃO à alienação”, e depois...
Foi a vez de Bruna cortar:
-Estou começando a me preocupar com o calor dessa sala. Obviamente, o cérebro de vocês dois já derreteu. Não é possível.
-Bruna..! –Joana voltou a se lamuriar. –Preciso pensar em uma maneira de não ter que pagar o dobro para o banco!
-Que tal economizar dinheiro e fazer uma poupança? –Bruna começou, mas logo parou diante do olhar de Joana. –Ok, eu sei que essa é difícil. Mas é isso ou financiamento. Só dá pra ficar rica em duas situações: nascendo ou casando. Vê se não desperdiça a segunda. Apesar de que... –e abafou uma risadinha maldosa.
-Então, -Joana ignorou a amiga-, amanhã vou ao banco analisar essas coisas chatas de financiamento. Fala sério, como é que as pessoas adultas vivem?
-Não sei... –disse Bruna pesarosa. –Mas aos vinte e seis anos, acho que nós duas já deveríamos saber...
-É por isso que ta todo mundo estressado, de cabelos brancos, de mau humor. Veja só, ao invés de chegar em casa e ler um livro, vou ter que fazer contas e mais contas!
-Seu discurso só seria mais engraçado se você escrevesse uma carta para nossa presidenta pedindo a ela para te emprestar uma grana. Sem juros, é claro... Apesar de que, considerando esse nosso governo assistencialista...
-Olha, pois sinceramente, eu já nem sei mais o que pensar. Preciso de um contador!
Gabriel novamente interveio no assunto, encarando as unhas, como se admirasse sua própria sabedoria:
-Pois ouvi dizer que 2015 não é um bom ano para se fazer dívidas...
-E quem foi que te falou isso, Gabriel? –Joana quis saber, já bastante irritada. –Por que é que esse não é um ano bom para dívidas?
Mas o rapaz logo perdeu a pose séria e riu dando de ombros:
-Ah, sei lá, ouvi um tio meu dizer isso. Soou legal na hora. Hahaha.

Joana encarou-o por alguns instantes, quase incrédula, mas daí um segundo se lembrou de como Gabriel era competente em sua função de fazer comentários sem sentido ou aleatórios. Houve certa vez em que ele, Gabriel, tentando impressionar um outro colega que fazia interessantes e sérios comentários sobre cultura, história, política, e tudo mais, saiu com a seguinte observação:

-Cara, você acredita que das quatro chaminés do Titanic, apenas três funcionavam? Tipo, uma delas ela só figuração! 



E terminou sua observação sorrindo, certo de ouvir respostas como “Ah, não é possível! Ta brincando? Como é que eu vivi todo esse tempo sem essa informação?”. Mas meu colega o encarou estupefato por dois minutos e então caiu na risada. Aliás, a sala toda caiu na risada depois disso, mas Gabriel nem se abalou, e morreu de rir também (provavelmente de alguma outra coisa de que se lembrou, pois até hoje deve achar seu comentário sobre o Titanic muito pertinente, inclusive não faltaram piadas sobre o quanto ele deve ter procurado “pautas que Luís ainda não sabe” ou “10 curiosidades sobre o Titanic”, para esbanjar).


                                                       -Vamos esquecer esse assunto?

Mais um suspiro de Joana. Mais suor escorrendo. Fim dos quinze minutos. Acabada a lata de cookies. Tanta conversação e nenhuma solução para sua crise financeira.

-Bom... Pelo menos uma conclusão  –girou os olhos cansada. –Melhor dar um jeito de refrescar essa sala porque nem minha cabeça nem a de Gabriel resiste lúcida até o próximo verão...
E voltaram ao trabalho.






sexta-feira, 17 de abril de 2015

"Por onde andará meu coração..?"



Isso vai soar ridículo, -eu sei-, além de excessivamente dramático, mas a verdade é que eu não voltei de viagem. “Paula, você deve ta tomando Bloody Mary estragado, porque ontem mesmo te vi no bar”. Então... Não era eu! Não sou eu, não mais. Estou presente apenas em corpo, vivendo no piloto automático, enquanto meu coração ficou perdido mundo afora.

Eu não perdoo vocês, Nathália e Lorena, por terem me convencido a fazer a aventura mais incrível e extravagante da minha vida. Vocês, meninas, vão ter que lidar com uma Paula extremante inconformada, de olhar perdido, que voltou àquela maçante saga de encontrar seu lugar no mundo. Vocês acordaram o monstro. Abriram a caixa de Pandora.

A tranquilidade que antes de me fazia escrever leves e açucaradas crônicas, deu lugar a uma mente inquieta que planeja e almeja o tempo todo o resto do mundo e as pessoas que tem que conhecer. Ânsia por viver, é isso que sinto agora.

A verdade é que essa viagem tirou meus dois pés do chão e agora estou intensamente apaixonada por coisas que já aconteceram e ainda vão acontecer, mas existe o vazio do presente. Sabe como é isso? Uma loucura toda! Como preencher o presente se aqui, agora, por mais que tudo esteja encaixado, nada faz sentido?

Meus olhos brilharam demais ao ver Paris e perdi o fôlego diante das luzes de Amsterdã. Não me resta outra alternativa, senão refazer meus passos pelo mundo todo, anoitecendo e amanhecendo em Nova York, Barcelona, Londres, India, Zâmbia, Tailandia, Toronto, Milão...  
Só assim vou reencontrar meu coração.