quinta-feira, 14 de abril de 2016

Pela frustração nossa de cada dia (nota da terapia)

                                          (Escuta essa música.) 

No começo, bem no começo, eu achava que terapia fosse uma encheção de saco estilo “Um dia daqueles” e demais livrinhos autoajuda que mandam relatar a experiência de abraçar uma árvore. Não me julguem, eu nunca havia experimentado tal tratamento, mas sendo metida a opinar sobre tudo, essa era minha opinião. “Veja bem”, eu me pegava zombando “como é que a pessoa diz ‘Não fique triste’ e aí a gente, pá, simplesmente não fica? Eu não perco meu tempo”.

Porém os tortuosos caminhos da vida nos levam a pagar a língua, de modo que em uma devastadora manhã de sábado deixei de lado meus preconceitos e me rendi a uma primeira sessão de terapia. Tão deprimida estava que de cética passei logo a crente fervorosa: minha terapeuta era a tábua do náufrago, as sessões curariam milagrosamente a melancolia que eu carregava nos olhos e meus dias seriam todos de sol. “Como não pensei nisso antes? Procurar ajuda profissional... Tão óbvio, certo?”.

Então.

Por um tempo levei comigo essa estúpida certeza de que sessões de terapia serviam para nos tornar instantaneamente felizes. Entra na sala chorando, sai sorrindo, magic; afinal aquele tal profissional não possuía em qualquer canto de sua bolsinha a fórmula exata do amor, do sucesso, da alegria, da coragem, do modo de ver a vida? Não, ele não possuía e nem possui. Não existe fórmula, nem tutorial no Youtube, nem palestra motivacional que te faça chegar lá. Existe o mundo te encarando e você encarando o mundo de volta. E quando nos perdemos numa dessas voltas, seu amigo terapeuta em vez de lhe responder feito um oráculo “Termina esse namoro, minha filha”, ou “Muda de cidade, amigo”, faz muito melhor: te leva numa dessas viagens espaciais entre passado, presente e futuro, pontuando erros e acertos, preferências e anseios, fracassos e vitórias, e de repente, voilà, cê continua sem uma resposta concreta, mas algo no fundo de seu coração, talvez ali atrás da porta, sussurra “Já sabe o que deve fazer, né?”. 

Muitas vezes, depois de intensos debates travados entre eu, eu mesma e meu amigo terapeuta, cheguei a conclusões que me deixaram satisfeitíssima com a vida e saí da terapia certa de que esse negócio fazia a gente feliz mesmo, ponto final e bora todo mundo abraçar a árvore.

Entretanto noutras vezes colocamos as cartas na mesa, amigo terapeuta e eu, e ao final da sessão eu estava triste, mas triste de não ter fim, a ponto de sair daquela sala e ir direto embora para Pasárgada com a passagem só de ida no bolso. Veja bem: eu e eu mesma não chegamos a um consenso e eu não saberia lhes dizer quão doloroso foi me aconselhar a fazer exatamente o contrário do que meu coração tolo ansiava. A um lado, a criança apaixonada insistia dizendo “Mas eu quero tanto, tanto...”, enquanto as experiências, histórias e os objetivos arrematavam feito uma ríspida mãe, “Hoje não” e mais tarde, em um futuro não sei quão distante, talvez eu fosse capaz de me agradecer por ter deixado de alimentar felicidades clandestinas com mentiras sinceras... Não sei. Sei que há os dias bons e os dias ruins.

Entre idas e vindas de terapias entendi que, por sorte, ninguém prometeu curar a persistente melancolia de minha alma ou essa mania de conversar com folhas em branco, e graças a Deus por essas promessas não feitas, pelo tempo que nem sempre será bom, pelas súbitas vontades de ir embora pra Pasárgada, pelos finais que nem sempre serão felizes (mas nem sempre serão finais...). Graças a Deus por amigos terapeutas que não prometeram me livrar das frustrações.  
Viver é quase nada de um mar calmo.