sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Rodízio de comida japonesa: não sei lidar





Era uma tarde de sábado, final de Março e de minhas férias, e meus amigos tiveram a deliciosa ideia de ir a um rodízio de comida japonesa em uma tradicional casa de Belo Horizonte.
Como outrora ouvi um amigo me definir “Você é uma menina com um pé em Amsterdã e outro na roça onde nasceu” e a moça que foi ao rodízio foi a da roça, porque eu simplesmente não sabia que para cada peça de comida japonesa deixada no prato seria cobrado o valor de R$2,00.
Vamos partir da premissa que eu como pracaralho e não gosto de desperdício, de modo que muito raramente deixo comida sobrando no prato. Inclusive minha mãe, quando me vê catando os últimos grãos de arroz, volta e meia pergunta se não quero um aspirador pra ajudar. Seria muito bem vindo, obrigada.
Pois nesse dia eu estava acompanhada de um amigo que só pára de comer quando acaba a comida do mundo e eu, vendo ele pedindo aquele tanto de trem, fui seguindo. 

-Risoto, Paula, vai querer?
-Vô.
-E Yaksoba, Nê?
-Também.
-Tem um cogumelo muito gostoso também, é meio diferente e forte, mas eu gosto. Você vai pedir?
-Pode anotar aí pra mim.

O que eu estava pensando nessa hora? O que toda pessoa desesperada e desacostumada pensa:

– Tô no rodízio, vou provar essas coisa tudo né?

Só de Uramaki de tomate seco com gergelim que tinha gosto de cimento fresco, pedi cinco. Comi dois e falei “Nhé, ruim esse daqui”. Tinha uns de rúcula com não sei que lá, o tal cogumelo que era ruim de tudo, e eu degustando feito crítica de gastronomia “Estranho este”, “Não gostei”, “Achei ácido demais”, e ainda provando dos pedidos de Lorena e de Lucas, rindo disso e mais aquilo.
Quando foi chegando ao final da sessão daquela competição de quem aguenta comer mais, os pratos estavam quase todos limpos, menos o meu.
O meu tinha de tudo ainda, mas eu já estava cheia. Aliás, cheia é eufemismo. Eu já tava quase pocando. A ponto de abrir o zíper da calça e deitar na cadeira. 
Lucas franziu a testa e perguntou:

-Nê, você não vai terminar esses daí não?
-Ah, não Lucas. Não gostei muito. Quer?
-Paula, você paga a taxa de dois reais para cada peça deixada no prato.

Meu estômago deu uma volta inteira numa montanha russa e voltou para meu corpo. Me recompus na hora. 

-Como é que é?

Olhei para o meu prato e só vi dinheiros. As peças haviam se transformado em notinhas de dois reais e tudo que eu podia fazer era somar: dois, dois, dois, dois, dois... Era uma dízima periódica de dois. 
Além da quantia simbólica que pagamos pelo rodízio, minha conta ultrapassava aí uns trinta reais. 

Apelei pra Lucas, ele comeu cinco peças para mim. Lorena, que já estava quase desmaiada, comeu mais duas, mas eu ainda precisava encarar mais dez, no mínimo. A garçonete japonesa que nos atendeu tinha um ar de madre superiora e ficava ao lado da nossa mesa olhando de rabo de olho “Come tudinho, menina usurada. Você não pediu? Come djá!”. Olhei pra porta do restaurante, olhei pra Madre ao meu lado, pensei no capitalismo x socialismo, e nas crises do mundo “Como é que pode né? A gente entra no lugar imaginando que vai se divertir e...”

E, Nossa Senhora do Temaki Califórnia, fui pensando e comendo. Os de cimento engoli sem mastigar. Os cogumelos comi sem sentir o cheiro. E a Fiscal do Rodízio me encarando “Pode sobrar nada, gulosa. Ou come ou paga”.
Capricorniana pão dura que sou, terminei a missão já por volta das seis da tarde, e mais tarde, que seria o sábado à noite de sair para dançar, permaneci deprimida no sofá, incapaz de me movimentar, calculando quantos quilos de arroz teria consumido naquela brincadeira.

Prometi que nunca mais, nunquinha mesmo, ia comer sushi de novo. Só de ver a cor salmão eu passava mal. Alga então, nem o cheiro... Mas isso deve ter durado em média dois dias. No terceiro eu já conseguia ingerir alimentos normalmente, beber água, caminhar, e sorrir. 

Hoje já to normal. O normal sem noção que come até explodir e quando come dez gramas a menos do que de costume, diz orgulhosa que ta de dieta. 
E a comida japonesa já voltou a me encher os olhos (exageradamente,-é claro e como sempre): 

 -Vamos num rodízio, Paula?
-Vamo.
-E você já decidiu o que vai querer?
-Decidi. Esses todos sem camarão aqui. 

Tem gente que não aprende né?

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