Para ouvir: Always Alright- Alabama Shakes
-Então,
- Mariana levantou-se da cadeira e escorou na janela da cozinha, de onde vinha
uma brisa amena refrescar aquela noite quente de Janeiro. –O que faremos em seu
aniversário?
Ele
virou-se para ela, o avental mal amarrado na cintura emprestando algum charme
de bom moço que André definitivamente não era. Largou a colher sobre a pia e
tomou um gole de cerveja:
-Bom,
eu, André, vou ver jogo com o meu
pai. Já você... –e riu aquele riso zombeteiro que tanto a irritava.
-Você
não se cansa de ser grosso hein? –respondeu com uma careta. –Tô perguntando
porque não quero que você me ligue bêbado de madrugada cantando parabéns pra
você mesmo como fez no ano passado.
-Ah
é? Porque não posso te ligar bêbado de madrugada cantando parabéns para mim
mesmo? Vai estar com alguém? –ele voltou-se para o fogão mexendo a panela com
pouca (ou quase nenhuma) habilidade.
-Talvez
eu esteja. –Mariana respondeu incerta, encarando o esmalte descascado na ponta
de uma das unhas.
André,
ainda de costas, estalou o pescoço para um lado depois para o outro.
-Tá
André, mas ver jogo como comemoração de aniversário é um pouco arriscado. E se
o seu time perder? Você vai se lembrar sempre daquele seu aniversário em que
seu time perdeu. –Mariana recomeçou.
-Corta
pra mim. –André lhe entregou uma faca, uma tábua e alguns tomates. Enxugou as
mãos e encarou a geladeira aberta, os pensamentos agora pareciam bem longe
daquela cozinha. –Mari, deixa eu te
explicar: é clássico. Com certeza vamos ganhar do Cruzeiro, fim.
-Não
estamos falando de qualquer time né, André, -ela insistiu rindo –É o Atlético.
-E lá
vamos nós... –ele meneou a cabeça e voltou-se para a panela. –Ta quase bom. Eu realmente sou um cara pra casar.
-E
falando em casar... –Mariana começou insegura –O namoro ta indo bem?
André
encarou-a por três segundos. Intensos três segundos. Depois desviou os olhos e
pousou-os na aliança prata em seu dedo anular.
-Ta
legal, ta indo né. –ele respondeu evasivo e Mariana, compreendendo que aquele
era um assunto sobre o qual jamais conversariam francamente, mudou o rumo da
conversa:
-Então,
André: vinte e oito anos! Me fale mais sobre isso. Já bateu alguma crise?
–tomou sua cerveja fingindo uma descontração que estava longe de ser
verdadeira.
-E
que crise... Vinte e oito. Quinze minutos pra completar trinta. Eu fico
pensando sobre o tempo... Me responde você: qual é maior aflição ou angústia
que te causa o correr do tempo?
-Hum...
–ela virou-se para a janela e depois de uma rápida reflexão concluiu certeira
–Rugas! Elas surgem da noite para o dia,
eu juro!
-Ih,
não fala baboseira, menina fútil. To falando de, por exemplo, ver o tempo
passar e não ter feito metade do que deveria ter feito. Bate aquela sensação de
fracasso, você não acha?
-Fale-me
mais sobre isso, paciente do horário de 21h:30min.
-Eu
imagino que quando mais nova você também pensou que aos vinte e tantos estaria
realizada. –Mariana continuou em silêncio ouvindo o amigo. –E realizada poderia
ser, sei lá, morar numa casa legal, com um emprego foda, um passaporte todo carimbado ou um marido idiota
(porque você só gosta de caras idiotas. -ele parou, encarando o nada -Havia um plano, certo? E onde foi que perdemos esse plano? Como foi
que terminamos bebendo cerveja terça à noite sem qualquer expectativa no
futuro..? Mariana, e se aos vinte e oito você descobrisse que não acredita mais
em si mesma?
Longa
pausa e um silêncio ensurdecedor entre eles. Ele voltou-se para o fogão e abriu
a panela (“Se for o caso a gente pede uma pizza...”); ela continuou de costas
encarando a vista bonita através da janela.
-Bom,
de fato é uma crise, senhor. –a moça começou rindo. –Concordo que uma pessoa
desesperada pode chegar a pensar assim. Entretanto não vejo em você essa pessoa desesperada. Você tem
potencial, André. Além do mais, fracasso só existe para quem se cansou de
tentar ou nunca tentou.
Ele
continuava quieto, de olhar amuado. Mariana continuou:
-Acho
que não se lembra de uma de nossas conversas há... Há quanto tempo isso? Dois
anos? Eu havia acabado de terminar um namoro e me sentia mal e você me disse
que a vida já estava acontecendo naquele instante, dentro do seu carro bebendo
cerveja quente, e no final disse que acreditava em mim... –ela franziu o cenho.
–O que mudou de lá pra cá?
-Eu
não sei, eu...
-André,
o que não ta bom agora dá tempo de mudar: cidade, emprego, namorada... E isto não
é porque você tem vinte e oito anos e ainda faltam quinze minutos pra trinta. É
porque sempre dá pra mudar o roteiro,
em qualquer idade. É claro que aos cinquenta, quando você estiver barrigudo e
grisalho, vai ter um pouco menos de disposição e charme, mas fora isso, pode
continuar tentando. Li algo esses dias assim “Quando se cansar, descanse. Mas
não desista”. Aquele tipo de auto ajuda que você odeia, eu sei, mas pense
nisso.
-Hum...
–ele pareceu imerso em alguma reflexão profunda por algum tempo, mas levantou os
olhos e completou sarcástico: - O que será de mim? Ouvindo conselhos de
Mariana...
Ela
fechou a cara.
-Como
se você tivesse prestado atenção numa só palavra do que eu disse.
-Eu
prestei. Tinha algo sobre eu ficar um coroa gato e sarado.
-Tinha
sim, André. Coroa e provavelmente ainda ouvindo meus conselhos enquanto insiste
em dizer que sabe cozinhar. –ela provou a comida da panela. –Ta horrível. Ta
com gosto de nada.
-E
você provavelmente vai estar casada com um cara idiota que degusta queijos, lê
romance francês e usa cachecol.
-Você
é ridículo, sabia?
-Pelo
menos eu não sou o tipo de cara que pede ao garçom fazendo biquinho “Por
gentileza, me traga a carta de vinhos?” –André riu.
-Beeeeem
longe disso não é mesmo? Você é o tipo de cara que sai sábado à noite com
camisa de time de futebol.
-Claro!
Respeitado em todos os ambientes!
Mariana
gargalhou e escondeu o rosto entre as mãos.
-Ai,
André, você não existe...
Ele
demorou três segundos encarando-a. Intensos três segundos. E três segundos
transformaram-se em quatro, dez, vinte... Uma eternidade que pareceu voar
enquanto diziam com os olhos tudo aquilo que gostariam de dizer de verdade, mas
havia ainda tanto receio. Estava tudo bem do jeito que estava, na cozinha
quente, ao lado dela, ouvindo música. Não poderia haver realização maior do que
aquele instante, e ela, lhe sorrindo de volta, respondia que também estava bem
e que já havia se cansado de falar baboseiras.
-É
você quem não existe, Mariana. Você e suas gargalhadas. E essa loucura
incurável. E essa falação em minha cabeça. E essas músicas ruins. –o interfone
tocou e ele levantou-se para atender. –Visitas...
Deixou-a sozinha com seus pensamentos e seus suspiros que vistos de longe poderiam até parecer apaixonados:
-Ah, André, se você se visse através dos meus olhos...
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