“a gente morre é para provar que viveu. […]".
Guimarães Rosa
Um susto, uma lágrima tímida, uma
saudade vinda de longe...
De um tempo em que eu sorria encantada feito moça de vinte e dois anos e você me cuidava, tal e qual menino-homem de
vinte e quatro - loucamente apaixonados um pelo outro. Desse tempo guardei num canto do coração, em uma caixinha empoeirada, aquele tanto de
história nossa – os cheiros, as fotos, os sorrisos (meu Deus, seu sorriso),
as noites em claro e, é claro, nossa peculiar trilha sonora: eu pensava em você
ouvindo Katy Perry, você pensava em mim ouvindo Hugo Pena & Gabriel.
Depois do susto, da lágrima tímida e de
acordada essa saudade distante, veio uma dor surda, angustiante, saltando no peito ao
mesmo ritmo que o coração, me perguntando a cada novo
segundo: como é que eu, paixão de seu passado,
poderia lidar com a notícia de sua prematura morte? Lá tinha direito de chamar
de sofrimento o que sentia quando imaginava seus pais, sua irmã, sua noiva..?
“Não, moça, sossega que é pretensão demais vestir o luto por um amor do
passado.”
Porém foi passando o tempo. Uma hora, duas, um dia, dois... E o que deveria ir amenizando feito uma lembrança doce foi tornando-se cada vez mais dolorido, a imagem do
sorriso machucava em cheio no peito e as lágrimas foram aumentando uma
a uma, num gotejar intenso, até se transformarem em torrente. Tento mandar e
desmandar nessa dor, mas com ou sem razão no luto (e como você costumava dizer) "o coração ta capotando
aqui dentro".
Não que fossemos ainda um do outro. Não
que eu o enxergasse em meu futuro. Não que eu não seja capaz de compreender que
fomos inesquecíveis, mas seguimos em frente. Porém há esse porém que eu não sei explicar. Essa dor de ver as lembranças que me faziam sorrir e sentir saudade
gostosa tornar-se lembrança de fazer chorar e sentir saudade doída. Antes, eu
sorria de olhos fechados ao lembrar seu tom de voz altíssimo e o sotaque
de menino da roça “Lindinha! Cadê ocê?”, mas agora abrir a caixinha de recordações e olhar
para nosso passado só faz entristecer.
Terminar este texto soa como
despedir-me de você para sempre – uma despedida que nunca tivemos – e temo que
escreva aqui mais tantas frases sem sentido para não ter que dizer adeus.
Contar pro mundo como você deu um jeito nos acasos do destino e veio parar em
Teófilo Otoni, me sorrindo cheio de graça e mandando beijos de uma arena de rodeio; como
depois disso, magicamente, passou a transformar meus dias difíceis de Coronel
Fabriciano em dias de alegria; como dizia que "qualquer dia" ia me ver e no outro aparecia na porta da minha casa, o carro largado no meio da rua e um abraço que, se fechar os olhos, posso sentir até hoje. Por isso tudo eu ainda não consigo me despedir, mas por isso tudo também sou eternamente grata, André.
Ainda que não tivesse partido tão cedo,
ainda que não fosse um menino-homem tão excepcional, ainda que eu não tivesse
notícias suas por uma ou duas décadas e só me lembrasse de você bem velhinha,
contando histórias de amor para minhas netas... Você já estava perpetuado em
meus pensamentos desde sempre e guardado na caixinha de minhas pessoas
inesquecíveis para sempre.
Que essa saudade novamente se transforme em recordação boa e, por enquanto, "té breve, bicho baum".
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