“Pelo visto existem maneiras piores de se ganhar dinheiro do que vendendo sua mão de obra oito horas/dia”, pensou Joana enquanto descontava toda sua ira e frustração em uma lata de cookies de chocolate. Era seu intervalo no trabalho e ela, ignorando o calor infernal daquela sala, bebericava um café super quente. Inspirou e respirou fundo novamente tentando colocar os pensamentos em ordem: “Juros de financiamento. Financiamento nadando em juros. Será que eles não tem vergonha de fazer isso com pessoas trabalhadoras?”. Por fim, ainda concentrada na breve explicação que Bruna lhe fizera sobre o assunto, desabafou:
-Então
quer dizer que eu vou pegar um dinheiro que eu
preciso no banco e vou pagar
o DOBRO? Como? Se para começo de conversa, eu sou uma pessoa que nem tem
dinheiro? Isso é tão errado!
-Joana,
onde você tem morado enquanto pessoas normais compram apartamentos, carros e
casas na praia? No mundo das borboletas azuis e gatinhos brancos? Todo mundo
que não é declaradamente rico precisa financiar algum montante em algum momento da vida!
-Mas
isso não pode! Eles não podem me fazer pagar o dobro! Precisamos mudar isso,
mudar o mundo, fazer alguma coisa...
E
daí o estagiário que acompanhava o café já se viu muito empolgado em meio à
conversa:
-Poderíamos
fazer um novo “Vem pra rua”! –e continuou sorrindo esperando uma salva de
palmas, mesmo diante do olhar enfadado de Bruna.
-Sério
que você aguenta esse cara o dia todo?
Mas
Joana às vezes adorava viajar em sua mente e já estava empolgadíssima com a
ideia de Gabriel.
-SIM! Temos que fazer isso..! Dessa vez sim o
movimento teria fundamento! Imagine que a gente crie um grupo do Facebook
dizendo “Boicote ao financiamento” ou “Diga NÃO à alienação”, e depois...
Foi
a vez de Bruna cortar:
-Estou
começando a me preocupar com o calor dessa sala. Obviamente, o cérebro de vocês
dois já derreteu. Não é possível.
-Bruna..!
–Joana voltou a se lamuriar. –Preciso pensar em uma maneira de não ter que
pagar o dobro para o banco!
-Que
tal economizar dinheiro e fazer uma poupança? –Bruna começou, mas logo parou
diante do olhar de Joana. –Ok, eu sei que essa é difícil. Mas é isso ou
financiamento. Só dá pra ficar rica em duas situações: nascendo ou casando. Vê
se não desperdiça a segunda. Apesar de que... –e abafou uma risadinha maldosa.
-Então,
-Joana ignorou a amiga-, amanhã vou ao banco analisar essas coisas chatas de
financiamento. Fala sério, como é que as pessoas adultas vivem?
-Não
sei... –disse Bruna pesarosa. –Mas aos vinte e seis anos, acho que nós duas já
deveríamos saber...
-É
por isso que ta todo mundo estressado, de cabelos brancos, de mau humor. Veja
só, ao invés de chegar em casa e ler um livro, vou ter que fazer contas e mais
contas!
-Seu
discurso só seria mais engraçado se você escrevesse uma carta para nossa
presidenta pedindo a ela para te emprestar uma grana. Sem juros, é claro...
Apesar de que, considerando esse nosso governo assistencialista...
-Olha,
pois sinceramente, eu já nem sei mais o que pensar. Preciso de um contador!
Gabriel
novamente interveio no assunto, encarando as unhas, como se admirasse sua
própria sabedoria:
-Pois
ouvi dizer que 2015 não é um bom ano para se fazer dívidas...
-E
quem foi que te falou isso, Gabriel? –Joana quis saber, já bastante irritada.
–Por que é que esse não é um ano bom para dívidas?
Mas
o rapaz logo perdeu a pose séria e riu dando de ombros:
-Ah,
sei lá, ouvi um tio meu dizer isso. Soou legal na hora. Hahaha.
Joana
encarou-o por alguns instantes, quase incrédula, mas daí um segundo se lembrou
de como Gabriel era competente em sua função de fazer comentários sem sentido
ou aleatórios. Houve certa vez em que ele, Gabriel, tentando impressionar um
outro colega que fazia interessantes e sérios comentários sobre cultura,
história, política, e tudo mais, saiu com a seguinte observação:
-Cara,
você acredita que das quatro chaminés do Titanic, apenas três funcionavam? Tipo, uma delas ela só
figuração!
E terminou sua observação sorrindo, certo de ouvir respostas como “Ah, não é possível! Ta brincando? Como é que eu vivi todo esse tempo sem essa informação?”. Mas meu colega o encarou estupefato por dois minutos e então caiu na risada. Aliás, a sala toda caiu na risada depois disso, mas Gabriel nem se abalou, e morreu de rir também (provavelmente de alguma outra coisa de que se lembrou, pois até hoje deve achar seu comentário sobre o Titanic muito pertinente, inclusive não faltaram piadas sobre o quanto ele deve ter procurado “pautas que Luís ainda não sabe” ou “10 curiosidades sobre o Titanic”, para esbanjar).
-Vamos esquecer esse assunto?
Mais
um suspiro de Joana. Mais suor escorrendo. Fim dos quinze minutos. Acabada a
lata de cookies. Tanta conversação e nenhuma solução para sua crise financeira.
-Bom...
Pelo menos uma conclusão –girou os olhos cansada. –Melhor dar um jeito de
refrescar essa sala porque nem minha cabeça nem a de Gabriel resiste lúcida até
o próximo verão...
E
voltaram ao trabalho.
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