Para que o mundo pare de
dar tantas voltas, para que eu possa enxergar um palmo diante de meu nariz sem me
sentir zonza, para que siga em frente em terra firme, é preciso tomar decisões e apresentar de imediato meu “Sim, por favor”, ou rejeitar
com um educado “Não, obrigada”. Sei, sei que ninguém pode viver em cima do
muro dividido entre dois extremos, duas saudades, duas paixões, logo, é preciso escolher
a quem se presenteia com o consentimento e a quem se magoa com a negativa. Mas
vocês bem sabem que eu nunca fui muito boa em escolher.
Só em cardápios, menus
e cartas de bebidas, sou capaz de passar horas prolongando decisões. Não que eu
cultive algum sadismo em relação a garçons e por isso goste de vê-los, entre
sofrimento e ódio, voltando à minha mesa com bloquinho e caneta... Longe de mim.
Eu só gosto de adivinhar os sabores em minha mente, fantasiar diante de tantas
possibilidades, não me comprometer com qualquer uma das iguarias para ter todas
à minha disposição, e por que não? Talvez ter o menu à nossa frente seja a melhor
parte de qualquer escolha: há um seguro distanciamento do erro.
E errar... Ah, nisso eu sou
boa. Não tanto pelas próprias escolhas, mas pelo momento em que as faço. Para a
noite mansa de quinta-feira eu recomendaria a mim mesma o pedido de sempre, feito
com meus ingredientes favoritos e temperado com pitadinhas de controle sobre o
resultado. Terminaria satisfeita e feliz com minha iguaria rotineira, tão gostosa
quanto previsível. Mas há esse gênio louco dentro de mim que se recusa a
antever o final da história, e por isso, quer transformar a qualquer custo
quinta-feira mansa em sábado à noite, quem sabe assim não lhe sobra diversão. Esse
gênio me convenceu a deixar de lado o usual para mergulhar novamente no menu cheio
de possibilidade diante dos olhos, “Afinal, fantasiar é preciso”, pude ouvi-lo
sussurrar.
Mas quem vive de fantasia,
não é mesmo?
O prato novo chegou e não
me agradou aroma, tampouco apresentação. Que fazer senão se fazer de cega,
surda, muda e engolir a contragosto a mudança que outrora escolhi? Procurando
por borboletas e boas surpresas saboreei decepção, e o gosto exótico do novo
não combinou em nada com a simplicidade de minhas preferências. Não que fosse
de todo ruim, talvez caísse bem em uma noite de aventura, talvez escolhi mal o vinho... Ou quem sabe fosse outra a fase
da minha vida, quando ainda não chegasse a hora de estar a procura de um ninho.
Tem um pouco disto e daquilo:
uma ótima escolha errada para o momento certo, ou o inadiável momento errado
para fazer a escolha certa.
Mas que posso eu fazer,
senhores garçons, se sou irremediavelmente viciada em possibilidades? Não me venham
ainda com seus bloquinhos e canetas, pois tanto não escolhi o que cairá bem nesta noite de quarta-feira, como não sei dizer para onde vão minhas
negativas e meus consentimentos. Por ora, só tenho uma confissão e uma certeza sobre fantasias e realizações: é preciso cuidado ao decidir-se sobre o pedido, pois ninguém gosta de comer uma coisa, desejando sentir o sabor de outra.
Um comentário:
Como sempre... texto maravilhoso! Amei!
bjs, Ana Paula Cândido
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