domingo, 30 de abril de 2017

CASO DE ESTRADA - TEÓFILO OTONI > G. VALADARES


Para ouvir depois de ler: Oasis - Let there be love 

Por óbvios motivos que podem afligir uma jovem de 27 anos confusa da vida, estava eu taciturna e deprimida encarando a paisagem através da janela do  Viação Rio Doce, quando, numa das 15 paradas entre a Rodoviária e a Lajinha, embarca Seu João carregando um monte de sacolinha.
Eu de fone nos ouvidos e olhos distantes, ensimesmada com minhas tristezinhas, fui perturbada por sua primeira pergunta:
-Cê vai é pra Valadares?
Respondi um evasivo “É” e me voltei para a estrada, o clipe da minha vida todo pronto dentro de minha cabeça, Oasis ao fundo dando um toque melancólico... O Universo girando em torno de minhas reflexões.
Meio minuto depois, Seu João me cutuca de novo respondendo a uma pergunta que eu não havia feito:
-Eu vou pra Taboquinha.
Sorri tão simpática quanto conhecia de Taboquinha e assenti.
Ele sossegou diante de meu silêncio, se virou para conversar com outro passageiro, mas, sem sucesso, veio tentar nova aproximação comigo. Me entregou uma receita médica que tinha nas mãos:
-É o quê que ta escrito aqui, menina?
-É Omeprazol.
-Ah, eu fiquei sabendo que dá no posto. Dá?
-Dá.
-Pois menina...
Ele recomeçou, desta vez obstinado e me tirar do poço de pensamentos e eu, resignada e impaciente, tirei os fones e me pus a escutá-lo, não sem antes ponderar “Poderia ter ido de carro né”.
Seu João, talvez buscando justificar sua intromissão em meus pensamentos, adiantou:
-É não, minha filha, sabe por que eu gosto de conversar na estrada? É que a gente fica encarando os mato, as paisagem, e a gente vai ficando triste, vai ficando triste... Um trem ruim, espécie de depressão! E pro cê ver, um dia cinzento desses acaba que não ajuda. Às vezes, quando a gente ta assim, meio... meio... – me olhou procurando pelas palavras corretas –Meio sozinho, né? A gente fica pensando demais. Se a gente pensar demais, entristece, acaba que num vive direito, não conhece o povo, né? –sorriu solidário
Aí eu já senti meu rosto queimar de vergonha de mim mesma. Tem como um tapa de luva acertar em cheio a arrogância, feito um nocaute?
Ele continuou, agora tentando consertar minha cara de embaraço:
-Eu converso é pra me distrair. Se não eu fico com a cabeça assim, desse jeito que te falei, pensando num tanto de coisa que num vira nada! Num é ruim?
Eu ri concordando, mas sem entender por que me senti tão surpresa com a sabedoria e vivência de Seu João.
-A gente vai conversando... No fim, acaba que distrai da viagem, do tempo, dos problema, e distrai a outra pessoa também, né menina?
Sorriu solidário e fez a gentileza de continuar me contando de sua vida, distraindo-se, como ele disse.
Contou da roça, da mulher, dos vizinhos, do Posto de Saúde, e num determinado ponto, quando julgou haver intimidade suficiente entre nós, perguntou de toda altura, pra todos os 34 passageiros ouvirem, se eu era casada ou solteira; renovei os votos da então solteirice concluindo “Seu João, hein, 68 anos, flertando com desconhecidas no ônibus...” Mas ele logo adiantou que o partidão mesmo era seu filho, o do meio, muito trabalhador e simpático. O mais velho já era casado.
Nessa conversação que arrumamos, mal me dei conta de que já estávamos em Itambacuri, e lá ele ia descer pra pegar o carro pra ir pra casa. No melhor estilo “aparecido eufórico”, levantou-se e recolheu as sacolinhas, dizendo todo garboso ao motorista “Logo mais to em Taboquinha! Terrinha de seis alqueires!”, no que o motorista respondeu, rendendo graça “Uai, então o senhor é fazendeirão, Seu João!”’
Seu João continuou, tão cheio de si quanto simplório:
“Fazendeiro pra mim é que tem de 50 alqueires pra cima. Eu só tenho uma terrinha mesmo. Mas é isso mesmo. Em panela de pobre tudo é tempero. Cês fica tudo com Deus. –virando-se para mim- Oh menina, cê fica com Deus também. E até mais ver”.
Coloquei o fone nos ouvidos de novo, voltei os olhos para a estrada, dessa vez, o coração leve e agradecido.
Seu João me salvou de minhas tristezas.   

Paula

Ps: Texto antigo, dos meus idos vinte e sete anos. Mas tava esquecido em minhas pastas antigas, como estava esquecido este blog. De esquecido pra esquecido, tem alguma valia né?
Beijo, até o próximo!

Imagem de: http://acertainkindofwoman.tumblr.com/post/94799935751

E você aí, ta escrevendo por quê?



Uma vez, numa consulta médica, o doutor me perguntou depois de analisar as sofridas cordas vocais:
-A senhorita conversa muito?
Minha resposta poderia ser objetiva, porém sou dada às discursivas, sim ou não nunca foi bem minha cara.
-Pois então, eu acho que converso um tanto bom. Não muuuuito, mas razoável, sabe? Igual a uma pessoa normal.
“Igual a uma pessoa normal”, eu o vi repetindo a pergunta mentalmente enquanto me encarava por cima de seus oclinhos.
Pois bem, ao que tudo indica, eu converso muito.
Mas mais do que conversar, eu escrevo. Às vezes, inclusive, tenho a impressão de que só vivo escrevendo, só vivo se escrevendo. De pequena, escrevia uma infinidade de vinganças aos adultos, segredos ultrassecretos e sonhos de amor em diários de capinha de plástico, confiando minhas confidências a um cadeadinho vagabundo. Depois de adulta meus pensamentos soltos terminaram em impessoais documentos do Word, pois o ritmo lento da caneta sobre o papel, incapaz de acompanhar meus pensamentos acelerados, era só mais alimento para minha ansiedade.
E sobre o quê varo a noite escrevendo, eu não saberia definir afinal. Diria que são "feminices" e tudo mais que envolva mulheres, admitiria pateticamente que não passam de longas indiretas, confidenciaria que não são minhas vivências e sim de pessoas inventadas e suas histórias de amor... Mas minha escrita é sobre tudo isso e muito mais: é tão trivial quanto qualquer instante cotidiano que acabou virando caso, é tão intenso quando a causa de minha loucura e remédio para minha sanidade.
Também não saberia explicar, precisamente, por que é que escrevo. Por quê..? 
Escrevo é porque preciso. Porque a palavra que me esqueço de dizer em voz alta não deve se perder, sufocada, em mim. Preciso verter pelos dedos, derramar-me numa folha branca e sentir-me mais purificada, de algum modo, ao final da linha. Escrevo porque meus escritos são capazes –acredite se quiser- de me acalentar quando o mundo todo parece desmoronar ao redor, quando as pessoas parecem não entender, quando o som parece ir muito rápido.
Escrevo porque assim não me sinto sozinha. Porque a solidão pode me rondar às vezes, como ronda todos nós, mas enquanto eu juntar frases em minha mente e com elas formar textos, e rir desses textos, e exorcizar-me com esses textos, e me conhecer relendo esses textos, e chorar de minhas infelicidades com esses meus textos, é que não estou só e não estou sendo em vão. Estou sendo alguém, ainda que de um modo muito intimista, estou vivendo, ainda que em tinta e papel, estou plena, ainda que de minha imaginação e de meus pensamentos.
Mas meu amigo interlocutor, não leve tudo isso tão a sério e nem esses meus escritos ao pé da letra, pois cada vez que escrevo concluo que ainda não me conclui; antes, sou levada por letras numa suave correnteza que hora dessas vira mar, vira prosa, poesia, poema ou conto de amor. Às vezes vira um casim de ponto de ônibus que duas linhas dão conta de contar. Às vezes um embaralhado desabafo de mil palavras que ao final soarão tão insensatas... 
E se nada disso pareceu compreensível, traduzo todas estas linhas em uma frase tão sincera quanto petulante, porém resume porque brinco de preencher folhas em branco: escrevo para me entender, não para ser entendida.
                      
Paula