Por
óbvios motivos que podem afligir uma jovem de 27 anos confusa da vida, estava
eu taciturna e deprimida encarando a paisagem através da janela do Viação Rio Doce, quando, numa das 15 paradas
entre a Rodoviária e a Lajinha, embarca Seu João carregando um monte de
sacolinha.
Eu
de fone nos ouvidos e olhos distantes, ensimesmada com minhas tristezinhas, fui
perturbada por sua primeira pergunta:
-Cê
vai é pra Valadares?
Respondi
um evasivo “É” e me voltei para a estrada, o clipe da minha vida todo pronto dentro
de minha cabeça, Oasis ao fundo dando um toque melancólico... O Universo
girando em torno de minhas reflexões.
Meio
minuto depois, Seu João me cutuca de novo respondendo a uma pergunta que eu
não havia feito:
-Eu
vou pra Taboquinha.
Sorri
tão simpática quanto conhecia de Taboquinha e assenti.
Ele
sossegou diante de meu silêncio, se virou para conversar com outro passageiro,
mas, sem sucesso, veio tentar nova aproximação comigo. Me entregou uma receita
médica que tinha nas mãos:
-É
o quê que ta escrito aqui, menina?
-É
Omeprazol.
-Ah,
eu fiquei sabendo que dá no posto. Dá?
-Dá.
-Pois
menina...
Ele
recomeçou, desta vez obstinado e me tirar do poço de pensamentos e eu,
resignada e impaciente, tirei os fones e me pus a escutá-lo, não sem antes
ponderar “Poderia ter ido de carro né”.
Seu
João, talvez buscando justificar sua intromissão em meus pensamentos, adiantou:
-É
não, minha filha, sabe por que eu gosto de conversar na estrada? É que a gente
fica encarando os mato, as paisagem, e a gente vai ficando
triste, vai ficando triste... Um trem ruim, espécie de depressão! E pro cê ver,
um dia cinzento desses acaba que não ajuda. Às vezes, quando a gente ta assim,
meio... meio... – me olhou procurando pelas palavras corretas –Meio sozinho,
né? A gente fica pensando demais. Se a gente pensar demais, entristece, acaba
que num vive direito, não conhece o povo, né? –sorriu solidário
Aí
eu já senti meu rosto queimar de vergonha de mim mesma. Tem como um tapa de
luva acertar em cheio a arrogância, feito um nocaute?
Ele
continuou, agora tentando consertar minha cara de embaraço:
-Eu
converso é pra me distrair. Se não eu fico com a cabeça assim, desse jeito
que te falei, pensando num tanto de coisa que num vira nada! Num é ruim?
Eu
ri concordando, mas sem entender por que me senti tão surpresa com a sabedoria
e vivência de Seu João.
-A
gente vai conversando... No fim, acaba que distrai da viagem, do tempo, dos problema, e distrai a outra pessoa
também, né menina?
Sorriu
solidário e fez a gentileza de continuar me contando de sua vida, distraindo-se, como ele disse.
Contou
da roça, da mulher, dos vizinhos, do Posto de Saúde, e num determinado ponto,
quando julgou haver intimidade suficiente entre nós, perguntou de toda altura,
pra todos os 34 passageiros ouvirem, se eu era casada ou solteira; renovei os
votos da então solteirice concluindo “Seu João, hein, 68 anos, flertando com
desconhecidas no ônibus...” Mas ele logo adiantou que o partidão mesmo era seu
filho, o do meio, muito trabalhador e simpático. O mais velho já era casado.
Nessa
conversação que arrumamos, mal me dei conta de que já estávamos em Itambacuri,
e lá ele ia descer pra pegar o carro
pra ir pra casa. No melhor estilo “aparecido eufórico”, levantou-se e recolheu
as sacolinhas, dizendo todo garboso ao motorista “Logo mais to em Taboquinha!
Terrinha de seis alqueires!”, no que o motorista respondeu, rendendo graça “Uai,
então o senhor é fazendeirão, Seu João!”’
Seu
João continuou, tão cheio de si quanto simplório:
“Fazendeiro
pra mim é que tem de 50 alqueires pra cima. Eu só tenho uma terrinha mesmo. Mas
é isso mesmo. Em panela de pobre tudo é tempero. Cês fica tudo com Deus.
–virando-se para mim- Oh menina, cê fica com Deus também. E até mais ver”.
Coloquei
o fone nos ouvidos de novo, voltei os olhos para a estrada, dessa vez, o
coração leve e agradecido.
Seu
João me salvou de minhas tristezas.
Paula
Ps:
Texto antigo, dos meus idos vinte e sete anos. Mas tava esquecido em minhas
pastas antigas, como estava esquecido este blog. De esquecido pra esquecido,
tem alguma valia né?
Beijo,
até o próximo!
Imagem de: http://acertainkindofwoman.tumblr.com/post/94799935751