Quem
me conhece sabe que meu lado dona de casa ainda não se manifestou em minha
vida, de modo que eu nada pouco sei fazer em uma cozinha. Corto o que me
mandarem cortar, arrumo o que me mandarem arrumar, mas só
assim mesmo, feito um elfo doméstico supervisionado porque pelas minhas mãos só sai brigadeiro, pão na chapa e omelete.
Aí
esses dias fui ao supermercado comprar umas coisinhas e, obviamente, não fui
fazer feira porque adivinha só: também não sei. Pra se ter uma noção, uma vez
minha mãe mandou que eu e meu namorado fôssemos ao supermercado comprar uns
tomates. Eu passei logo a mão em uma sacola, enchi, pensando “Tomatinhos
madurinhos, Mommy vai ficar tão feliz”. E quando gritei para meu namorado
“Mozão, achei os tomates”, foi que um vendedor riu sem graça, me olhou como
quem olha para um animalzinho sem pata e disse “Moça, isso é caqui”.
Então tão íntima de um supermercado quanto de oficinas de carro,
peguei um carrinho, contive os ímpetos de me apoiar nele e encenar passos de
patinação pelo chão liso e caminhei, me sentindo a mulher mais importante do
mundo, entre as prateleiras.
Numa determinada altura eu acreditei tanto no papel de esposa responsável que desempenhava, que por pouco não comprei Danoninhos e macarrão para levar para minha família imaginária, isto é, meu marido e as crianças. Meus pés me guiaram de volta para a realidade e segui, um pouco menos segura, para a seção de bebidas; mas fiquei novamente estarrecida com a minha falta de habilidades e peguei o telefone:
-Lorena,
Sidra Cereser é bom?
-Ai Paula, pelo amor de Deus.
-Não,
é porque tem uma aqui com a roupinha do Cruzeiro, uma gracinha. Será que Nathi
ia gostar?
-Esquece a Sidra. Já comprou meu
vinho..?
-Então.
Tem muitos aqui. Tem um aqui que se chama “Vinho Canônico”, é vinho de missa?
–ri da minha piadinha idiota e Lorena
continuou seca.
-Eu quero um vinho tinto e seco. E bom.
Lembrei
do comercial do Pão de Açúcar em que o Rodrigo Hilbert surge do nada indicando
vinho para as pessoas e pensei em fazer umas preces.
-Hum...
Ok. Vou procurar aqui. Você quer vinho de garrafa de vidro ou de plástico?
-Nossa senhora hein. Você ta aí sozinha?
Meu Deus, chama um adulto. Claro que é de vidro, ta doida.
-Ah,
te falar: a cerveja ta quente, viu?
-Não tem cerveja gelada aí?
-Ué,
claro que não. Supermercado só tem cerveja quente, você não sabia?
Lorena
bufou do outro lado da linha.
-Paula, -fez uma pausa, recuperando a
paciência. –Procura uma pessoa com uma camisa laranja, qualquer uma. Quando
encontrar uma, passa o celular para a pessoa.
Fechei
a cara e respondi:
-Olha
só, se você tivesse me dito exatamente o que queria eu não ficaria rodando aqui
igual uma baratinha tonta.
-Natália ta pedindo pra você comprar
uma cerveja pra ela.
-De
qual? Já decorei o preço e nome de todas. To neste supermercado há três dias.
-Tem nem vinte minutos.
-Ah,
peraí, achei o moço de rosa.
-Laranja.
-Moço,
onde fica o Martini?
-Martini...?
-o rapaz me olhou confuso. -Que isso?
Lorena gargalhou do outro lado da linha.
Lorena gargalhou do outro lado da linha.
-É
marca de vinho?
-Ahn,
não... É tipo... Ah, deixa pra lá. Tem cerveja gelada?
-Claro.
-É
o mesmo preço?
-Claro.
-Obrigada.
-Lorena,
quê que eu vou fazer com meio quilo de azeitona? Não achei o Martini. Será que
fica bom com Bacardi?
-Querida, vem embora. Se deixar, você
fica aí pra sempre vagando com um carrinho vazio.
Desliguei
e fui para o caixa, recebendo tantos olhares de reprovação quanto meu carrinho
abarrotado de destilados permitia. Quis me desculpar para as famílias ali
presentes e dizer: “É o aniversário da minha amiga, eu fiquei de comprar as
bebidas. Vai bastante gente. Odeio vinho. E essa Skol Beats também não é minha,
só a Bud mesmo”. Mas eles não me olhavam mais, já haviam julgado e condenado a
ausência de uma aliança do dedo direito e meu carrinho cheio de álcool em plena
terça-feira. Caminhei pelo estacionamento enquanto os tilintar das garrafas
denunciava o conteúdo de minhas compras (era muita sacola!) e por um instante
pensei em gritar “EU NÃO VOU BEBER TUDO SOZINHA, GENTE!”.
para galere, to sem graça rs
Então me dei conta de
que não havia “Gente” para eu me explicar. Não havia quem me conhecesse, não
havia quem me observasse, não havia, na verdade, quem fosse contar quantas
doses de tequila eu estava decidida a tomar naquela noite.
E ainda que notassem, ainda que contassem, ainda que reprovassem, eu não me importava. A minha meta continuaria em aberto, de qualquer maneira.
Acomodei
minhas garrafas bebê no banco traseiro, entrei no carro e falei, mais para mim
do que para minha interlocutora:
-É o aquilo que ouvi dizer, Lola Angel – liguei o som. -Se eles não te conhecem, não leve pelo lado pessoal...
E saí, feliz da vida, depois do sucesso de minhas compras no supermercado.